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Sem o dever de casa

Em 2014, estudo definiu caminhos para que o Brasil chegasse ao estágio de país desenvolvido em 2030. Deu quase tudo errado — e meta agora é adiada para 2036

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h37 - Publicado em 26 out 2018, 07h00
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  • Questionado sobre a situação do país hoje, qualquer brasileiro vai responder com um lamento. Não é preciso ser economista para reconhecer que os últimos anos foram de degradação geral, seja na educação, na saúde ou na economia. A fim de evitar que isso viesse a acontecer, a consultoria de estratégia McKinsey, uma das maiores do mundo, em parceria com uma coalizão de entidades privadas sem fins lucrativos, editou em 2014 o estudo “Visão Brasil 2030”, com metas a ser batidas e uma série de medidas governamentais para que o país estivesse em condições de alcançar o estágio de nação desenvolvida até o fim da próxima década. O documento foi entregue aos então candidatos Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT). E foi ignorado.

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    (Arte/VEJA)

    Agora, os autores do trabalho se reuniram novamente para fazer uma avaliação dos últimos quatro anos, e o balanço é alarmante: o país registrou um avanço tímido em três aspectos, ficou estagnado em outros quatro e recuou em três. Em outras palavras: o Brasil está hoje mais distante do estágio desejado de país desenvolvido do que estava há quatro anos. O documento foi revisado e novamente entregue aos candidatos à Presidência — desta vez com um tom mais urgente. “O estudo serve como um chamado de alerta para as autoridades e a sociedade. Não temos todo o tempo do mundo, e a cada ano de letargia as condições para o desenvolvimento pioram”, diz Nicola Calicchio, sócio da McKinsey para a América Latina e um dos autores do trabalho.

    Calicchio faz referência a fatores que favorecem o crescimento mas não estão à disposição dos países de forma duradoura. Um exemplo é o chamado bônus demográfico, ou seja, o aumento do número de pessoas em idade ativa para trabalhar em relação ao total da população. Quanto maior essa fatia, melhores as condições para a expansão da economia. É um fenômeno do qual o país desfruta há alguns anos e com previsão de término em 2023, mas que pode ter se encerrado neste ano de acordo com cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    Greve de caminhoneiros em maio de 2018: categoria alega exercer serviço essencial durante a pandemia
    CRISE DE INFRAESTRUTURA – Greve de caminhoneiros em maio: gargalo da logística no Brasil (Douglas Magno/O Tempo/Estadão Conteúdo)
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    Em termos concretos, o estudo original tinha por objetivo criar as condições para elevar a renda per capita no Brasil dos atuais 15 600 dólares (medida pelo conceito de paridade do poder de compra, que retrata mais fielmente o custo de vida de diversos países) para 32 800 dólares em 2030. Dada a piora da economia desde 2014, período em que a renda caiu 7% em vez de subir, a nova versão do documento adia a meta dos 32 800 dólares para 2036 — seis anos mais tarde. Para isso, especialistas de diferentes áreas determinaram uma série de medidas já testadas e bem-sucedidas em outros países para orientar políticas públicas e decisões de investimento. Às vésperas de um novo governo, os autores defendem a ideia de que os políticos e a sociedade firmem um pacto pela adoção de uma agenda comum que esteja acima de questionamentos ideológicos. “Não acredito que algum partido discorde, por exemplo, da importância de ampliar o investimento na educação na primeira infância”, diz o executivo da McKinsey em relação à fase na qual o desenvolvimento cognitivo acontece.

    Há outros consensos entre os especialistas. No Brasil, apesar da valorização do ensino técnico, mais da metade dos alunos formados não atua na área em que se especializou. É uma distorção que não se vê na Alemanha, onde existe uma agência federal para identificar e antecipar necessidades do mercado e assim direcionar de forma precisa a oferta de cursos nas escolas técnicas, em vez de deixar que essa tarefa complexa fique a cargo do próprio jovem. Esse tema mereceu atenção especial dos autores do documento. O investimento na formação do jovem que está prestes a entrar no mercado de trabalho deve ser tratado como prioridade pelas autoridades. “Um em cada quatro jovens brasileiros nem trabalha nem estuda. Se eles permanecerem à margem da sociedade, vão sofrer uma perda de identidade como cidadãos e o país terá um dano irreparável nos níveis de produtividade”, diz Ana Marina de Castro, gerente de mobilização do Centro de Liderança Pública, uma das entidades que participaram da elaboração do estudo.

    Comunidade do Pavão-Pavãozinho
    CONTRASTE – Copacabana, no Rio de Janeiro: a desigualdade só aumentou entre 2014 e 2018 (Sergio Moraes/Reuters)
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    Na área da saúde, houve avanços marginais nas metas de ampliar a expectativa de vida e reduzir a taxa de mortalidade infantil, a ponto de o país ostentar os melhores índices da América do Sul — objetivos tangíveis dada a comparação do Brasil com seus pares. Mas a expectativa de vida subiu de 75,2 para apenas 76 anos, ainda atrás da chilena (80 anos). Combater as desigualdades regionais é outro objetivo, porém, novamente, pouco foi feito: quem nasce em Santa Catarina deve viver 79 anos, oito anos a mais que quem nasce no Maranhão. É possível fazer uso do avanço e da redução do custo da tecnologia pa­ra que o Estado melhore a qualidade na prestação de serviços. Um exemplo notável é o da Estônia, que tem um dos governos mais digitalizados. Existe uma plataforma virtual que funciona como uma base de dados disponível para a população, agentes privados e públicos. Na saúde, o prontuário dos pacientes fica arquivado e é atualizado de forma eletrônica, agilizando o acesso. Sem a necessidade de repetir exames e com menor probabilidade de erros médicos graças ao histórico completo do paciente, os custos do setor caem drasticamente — e aperfeiçoa-se o atendimento.

    Outra meta na qual o Brasil ficou devendo é a redução da desigualdade, medida pelo Índice de Gini, da ONU. O país permanece no estrato dos mais desiguais do mundo. Parte da piora no campo econômico se deve à recessão profunda e prolongada de 2014 a 2016, caso da queda brutal dos investimentos. O produto interno bruto brasileiro terá recuado em média 1,2% ao ano entre 2015 e 2018, se confirmadas as projeções para este ano. É uma queda acumulada de 4,7% no período, o pior desempenho desde o fim dos anos 80. Mas houve também incompetência do Estado: a burocracia para os negócios não foi atacada e o país continua protecionista e pouco exposto à concorrência global.

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    O tempo é curto, mas a experiência internacional mostra que se pode retomar o crescimento econômico e melhorar indicadores sociais-­chave num curto período. Que isso sirva de inspiração para o próximo presidente.

    Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2018, edição nº 2606

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