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Pesquisa: 87% dos alunos chegam à universidade sem saber o que é plágio

Levantamento da Unicamp consultou 958 estudantes; com base nos dados, instituição vai estabelecer política contra má-conduta nos trabalhos acadêmicos

Por Fernanda Bassette
29 out 2018, 11h26

Pesquisa inédita realizada com alunos de graduação e pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostra que 87% deles chegaram à universidade sem ter noção exata do que é plágio e sem saber ao certo o que configura uma citação ou uma cópia de conteúdo em um trabalho acadêmico. Os resultados do levantamento serão apresentados nesta segunda-feira (29) à tarde.

O levantamento, “Estudo para o desenvolvimento de uma política de integridade acadêmica para a Unicamp”, foi realizado em agosto e setembro deste ano, por meio de um questionário online, seguido de entrevistas com amostras de estudantes. Ao todo, 958 estudantes de graduação (35%) e de pós-graduação (65%), de todas as áreas do conhecimento, responderam todas as questões. O trabalho foi realizado pela consultoria acadêmica Data 14, em parceria com a empresa de software educacional Turnitin.

A pesquisa mostrou, por exemplo, que a maioria dos alunos (98,4%) considera que copiar trechos de trabalhos é algo grave ou gravíssimo. No entanto, apenas uma minoria (4,5%) acredita que o plágio seja sempre intencional. Além disso, o levantamento aponta que 36,7% dos alunos admitem já ter copiado trechos de textos sem fazer a devida citação. E oito em cada dez alunos ouvidos afirmam que ações educativas podem prevenir que alunos cometam plágio.

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Preocupação com imagem

A preocupação com a ocorrência de plágio em trabalhos acadêmicos é universal, especialmente nos tempos atuais em que o acesso à informação é muito mais fácil. De acordo com um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 46% dos casos de retratações dos artigos científicos brasileiros foram causados por cópias de conteúdo, o que significa que quase metade dos trabalhos que chegam a ser identificados com alguma forma de má-conduta no Brasil copiaram trechos de outros textos publicados anteriormente. A pesquisa foi conduzida pela professora Sonia Vasconcellos e publicada na revista Science and Engineering Ethics, em 2016.

A própria Unicamp já foi vítima de má-conduta acadêmica envolvendo casos de plágio pelo menos duas vezes: uma delas terminou em suspensão do docente e a outra em demissão. No primeiro caso, em fevereiro de 2011, a instituição decidiu demitir um professor de dedicação exclusiva, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, com mais de quinze anos de carreira, após investigar denúncias e entender que ele liderou pesquisas que plagiaram trabalhos de outros pesquisadores.

No outro caso, que terminou em outubro do mesmo ano, a Unicamp decidiu punir com 45 dias de suspensão um professor de química que foi acusado de fraudar onze artigos científicos sem citar os devidos créditos. “Essas ações maculam a imagem da universidade e precisamos trabalhar ações educativas para evitar que isso aconteça”, afirmou o pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, Munir Skaf.

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Segundo Skaf, a Unicamp sozinha é responsável pela publicação de cerca de 4.000 artigos científicos por ano – daí a preocupação da reitoria de evitar que eles sejam questionados por supostos plágios. “Quando surge uma denúncia ou constatação de má-conduta, o dano à universidade é muito grande. Por isso é preciso que a gente estabeleça políticas bem específicas para acatar essas denúncias e mecanismos para apurá-las”, explica.

Com os resultados da pesquisa, a Unicamp pretende reunir os dados e elaborar uma política de integridade acadêmica, com normas e regras a serem seguidas para evitar casos de má-conduta e, consequentemente, de fraudes. Também serão estabelecidas as punições, caso a má-conduta aconteça – algo inédito nas universidades brasileiras e seguindo o exemplo do que já acontece nas melhores universidades do mundo.

Na Caltech (EUA), por exemplo, estudantes e pós-doutorandos recebem treinamento especializado em ética na pesquisa e responsabilidade como parte de sua formação. Mesma coisa acontece em Harvard (EUA), onde os alunos também precisam incluir uma declaração de honra em provas e trabalhos acadêmicos. O documento da Unicamp deve ser finalizado em 2019.

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Segundo o pró-reitor, o principal objetivo do levantamento foi identificar e compreender qual a verdadeira percepção e noção dos alunos sobre plágio. “A maioria dos alunos chega ao nível superior sem saber o que é plágio porque isso nunca foi falado no ensino médio. Mas, mesmo que a produção de textos originais seja pequena no ensino médio, esse é um assunto que precisa ser discutido”, avalia.

Software espião

Desde dezembro de 2016 a Unicamp usa um software desenvolvido pela multinacional Turnitin para identificar possíveis casos de plágio nos trabalhos acadêmicos. Segundo Mariana Rutigliano, gerente de marketing internacional da empresa, ao submeter um texto à plataforma, o sistema “vasculha” 62 bilhões de páginas para apontar os conteúdos irregulares.

Ao inserir o texto no banco de dados, o sistema consegue comparar e identificar trechos de similaridade, apontando a origem primária da fonte e o grau de similaridade. A busca é feita da língua inglesa para qualquer outro idioma, já que a maior parte dos trabalhos científicos são escritos em inglês.

Os trechos tidos como “suspeitos” são devolvidos grifados em cores diferentes e tanto o aluno quanto o professor conseguem saber a origem. Cada cor indica um possível erro. “Ficamos muito surpresos com a quantidade de alunos que não sabe o que é plágio e que não acham errado copiar trechos de trabalhos autorais. Precisamos solucionar esse problema”, diz Rutigliano.

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O objetivo do uso do sistema, reforça o pró-reitor, é identificar as falhas e trabalhar para corrigi-las. “Não temos a intenção de punir o aluno. Essa é uma ferramenta educacional importante para ajudar o professor a orientar o aluno. Estamos trabalhando para que toda a comunidade acadêmica submeta seus trabalhos ao software”, afirmou Skaf.

O Instituto de Física da Unicamp é um dos que submete os trabalhos dos alunos à plataforma antiplágio como rotina em cinco disciplinas, onde a avaliação dos alunos é feita por meio de relatórios realizados em casa e não por meio de provas em sala de aula.

“Os principais casos de plágio que tivemos acesso são cópias de pequenos trechos sem a devida citação. O aluno não vê problema nisso. Na minha experiência pessoal, cerca de 40% dos trabalhos avaliados tinham alguma irregularidade nesse sentido”, diz o professor Rickson Coelho Mesquita. “Depois do uso da plataforma já vemos uma evolução e uma queda no número de casos.”

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Recente

No Brasil, o assunto plágio e políticas para evitá-lo ainda são recentes. A movimentação pela integridade acadêmica teve um pontapé importante depois que a Fapesp anunciou um Código de Boas Práticas Científicas, em 2011, lançado após uma série de denúncias de má-conduta em universidades paulistas. No ano passado, a agência anunciou que passaria a indeferir projetos de melhoria na infraestrutura de instituições que não criarem um escritório voltado ao estímulo da integridade acadêmica.

Segundo Rutigliano, na Inglaterra, 90% das universidades usam o sistema da Turnitin. Nos EUA, 70% das instituições de ensino superior também aderiram ao software. No Brasil, por enquanto, apenas 33 universidades e algumas escolas internacionais usam a plataforma antiplágio da Turnitin. Segundo a empresa, até 20 de outubro deste ano, 206.455 mil trabalhos acadêmicos foram submetidos ao software no Brasil – desses, 5.267 foram produzidos na Unicamp.

“O Brasil ainda está muito atrasado em relação a outros países, essa era uma discussão quase inexistente nas universidades. Essa pesquisa agora servirá de base para ações importantes antiplágio e para a criação de ferramentas de ensino”, finaliza o professor Mesquita.

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