Um negócio milionário selado no setor de educação nos últimos dias trouxe a consolidação de dois gigantes do ramo — a paulista Cogna e o carioca Eleva — e deu um empurrão a uma transformação já em curso e decisiva no modo de ensinar: a adoção maciça dos chamados “sistemas de ensino”, um conjunto padronizado de roteiros de aula, cadernos de estudos e exercícios, atividades e plataformas digitais desenvolvidos e disseminados pelos grandes grupos educacionais. Nada a ver com as tradicionais apostilas de antigamente, vistas (com boa dose de razão) como um instrumento de mercantilização e queda de qualidade, na sua pressa de tomar o lugar dos livros didáticos. O objetivo declarado dos sistemas atuais é oferecer, pronto e organizado, aquilo que muitas escolas têm dificuldade em montar sozinhas — um currículo atraente e conectado com o mundo moderno.
O acordo comercial envolvendo Cogna e Eleva desfila números espetaculares. A Cogna comprou por 580 milhões de reais a plataforma de ensino Eleva, subindo para 1,5 milhão o total de estudantes que alcança em 4 600 escolas atendidas por sistemas sob o seu guarda-chuva. Na transação, vendeu ao Eleva seus colégios justamente para centrar as fichas na venda de metodologias. O Eleva, que tem o megaempresário Jorge Paulo Lemann como principal investidor, pagou 964 milhões de reais pelo controle das 51 escolas de marcas diversas — Anglo, pH, Pitágoras — do ex-rival, e assim assumiu o pódio de grupo com mais instituições de ensino básico sob sua administração: 175 (o negócio ainda aguarda o parecer do Cade).
Pelo acordo de dez anos firmado entre as duas empresas, a Somos, que congrega os sistemas de ensino da Cogna e viu seu faturamento explodir na pandemia com as aulas a distância, fornecerá material a 90% das escolas que já eram do Eleva e a 100% das que agora passam a fazer parte do seu portfólio, reforçando a intenção de se concentrar nesse ramo de negócios. “Fortaleceremos ainda mais nosso ecossistema de plataformas”, confirma Rodrigo Galindo, CEO da Cogna. O própria Eleva, embora focado em administrar escolas, não ficará ausente do mercado dos sistemas de ensino, explorando nele um quinhão específico: vai desenvolver programas voltados para o aprendizado das habilidades socioemocionais — área em alta nestes modernos tempos em que o traquejo para trabalhar em equipe e a capacidade para solucionar problemas são tão exigidos. “A ideia é investir em tecnologias e currículos inovadores”, diz Duda Falcão, diretora-executiva do Eleva.
Um levantamento da consultoria Hoper Educação mostra que os sistemas de ensino estão presentes em 74% das escolas particulares em todo o país — em 2013, eram 68%. “Colégios médios e pequenos não dão conta de acompanhar as mudanças frequentes na educação. Nos próximos anos, eles terão de se adequar à Base Nacional Comum Curricular, o que exigirá esforço e investimento. Os sistemas de ensino oferecem a solução pronta”, explica William Klein, CEO da Hoper. O conceito estende-se para além do papel, como bem condiz ao século XXI: há plataformas digitais com videoaulas, plantões de dúvidas e resolução de exercícios. É possível contratar ainda treinamento para professores. “Essas ferramentas ajudam a organizar o trabalho pedagógico”, frisa Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV. “Os alunos gostam, já que ali encontram bons guias de estudo”, observa Vanderlei Cardoso, coordenador de matemática do colégio Albert Sabin, em São Paulo. O termômetro do Enem mostra que, mesmo que a qualidade do material varie, tem funcionado: oito das dez escolas no topo do ranking do Enem empregam a nova safra de sistemas de ensino.
As raízes do que hoje se vê a toda nas salas de aula começaram a brotar no Brasil da década de 70, junto com os cursinhos preparatórios para o vestibular, com base no material didático apostilado que eles popularizaram. Hoje, 45 empresas concorrem nesse lucrativo mercado. As cinco maiores — Cogna, Arco, Vasta, Opet e Pearson — chegam a 78% dos alunos em escolas particulares, uma turma de 3,7 milhões de crianças e adolescentes que aprendem de um jeito diferente. O trunfo competitivo, cada vez mais, está no emprego de tecnologia. O grupo SEB, dono das escolas Concept e Pueri Domus, passou a utilizar ferramentas de inteligência artificial para turbinar sua plataforma, a Conexia, que vende a outros colégios. “Isso vai permitir ao aluno criar seu próprio itinerário de aprendizagem, de forma mais individualizada”, diz Sandro Bonas, CEO da empresa, que inclui em seu currículo atividades como desenvolvimento de startups e programação de robôs. A ideia de sistemas padronizados que individualizam o aprendizado é boa. A educação, definitivamente, passa por tempos de grandes mudanças.
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Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728