Que as escolas brasileiras não conseguem fazer frente à imensa maioria de seus pares estrangeiros não é novidade. Surpreendente é o quão distantes as salas de aula daqui estão de um ensino minimamente decente — sim, decente é a palavra. Um relatório divulgado hoje pelo Ministério da Educação (MEC) mostra que uma minúscula fração dos estudantes detém o conhecimento esperado para a série que estão cursando.
Os números do Saeb, termômetro da educação básica oferecida na rede pública, revelam que no 3º ano do ensino médio — o maior de todos os gargalos — apenas 4% sabem o que deveriam saber de matemática. Os outros 96% patinam em variados graus de dificuldade. Em português, só 1,7% dos alunos estão em nível adequado.
Em entrevista a VEJA, o ministro Rossieli Soares comenta o Saeb e enfatiza a urgência de uma reviravolta no ensino médio em vigor.
Por que o ensino médio precisa mudar?
Porque ele não é atrativo a um número considerável de jovens, que acabam abandonando os estudos. Os que persistem dizem, pesquisa após pesquisa, que não veem sentido no que estão aprendendo. E os dados do Saeb estão aí, para provar que o ensino médio brasileiro está mesmo no fundo do poço. Temos uma fórmula velha, que se pretende inclusiva, mas que, na verdade, é uma grande produtora de desigualdades.
De que maneira o ensino médio aumenta as desigualdades?
Um modelo inflexível, engessado e igual para todos só serve a um tipo de aluno. Portanto, é excludente.
Os críticos do novo ensino médio afirmam o oposto: criar escolas diferentes entre si vai deixar uma turma na segunda classe do ensino, argumentam.
A experiência internacional mostra que oferecer caminhos distintos é a maneira de trazer mais jovens às salas de aula. O que temos hoje no Brasil vai na trilha inversa — trata-se de um sistema que expulsa. Entendo que mexer com o status quo é sempre complicado: as pessoas têm um medo natural.
Com a possibilidade de os alunos montarem sua própria grade de matérias, os professores de disciplinas menos demandadas não podem perder o emprego?
Não. No novo modelo, os professores vão é trabalhar mais horas e de forma conjunta uns com os outros. Terão de aprender a atuar de modo diferente, isso sim, já que a ideia é que a escola integre conteúdos.
Não é fácil fazer isso sem cair no risco de oferecer uma abordagem rasa das matérias, certo?
Não é. Por isso vamos treinar os professores.
Qual é a previsão para a implantação deste novo modelo?
A partir do ano que vem já começa a ser posto em prática, gradualmente, até abranger 100% das escolas em 2022. Não é nada simples. O material didático, por exemplo, terá que ser todo revisado para se amoldar à nova fórmula.
E o Enem?
O Enem precisa e vai mudar.
Os resultados pífios do ensino médio têm conexão direta com a base fraca também no nível fundamental. O que o Saeb mostra sobre isso?
O Saeb revela que o aluno progride pouco ao longo do percurso escolar — e isso vai se agravando nas séries mais avançadas. Se ele tem uma defasagem na alfabetização, logo na largada, isso pode virar uma bola de neve. Uma lacuna pequena no começo tem chance de crescer exponencialmente.
Afinal, falta dinheiro à educação brasileira?
O investimento por aluno ainda é baixo na comparação com outros países, mas as verbas existentes precisam ser geridas de forma mais eficiente. Também precisamos trabalhar cada vez mais em cima de evidências científicas e parar de querer agir na base da adivinhação. Isso é perda de tempo e, claro, dinheiro.