Sob a perspectiva da pandemia e das imensas limitações que ela impõe, a humanidade se pôs a refletir sobre prioridades e questões básicas de sobrevivência. E, nesta nova ordem, os jovens se questionam se é o momento de seguir com a universidade — seja porque a veem nesta hora como adiável, seja porque não podem mesmo arcar com um custo dessa grandeza em meio ao tsunami do novo coronavírus. A preocupação é global, mas ganha contornos próprios no Brasil, onde a disparada do desemprego esvaziou o bolso de uma turma que normalmente já paga as mensalidades com alta dose de esforço. Não à toa a evasão vem subindo (veja no quadro), impulsionada por situações como a que vive a estudante de educação física Jessica Neves, de 24 anos. “Lutei para entrar na universidade, só que agora preciso me concentrar em pagar as contas essenciais. Vai passar, eu sei”, diz ela, dispensada do estágio com o qual bancava os estudos e fazendo bico como cabeleireira para reduzir os danos (olha o isolamento…).
Nos cálculos sobre ficar ou trancar, o fator financeiro se soma à incerteza quanto à rotina de aulas nos próximos meses. “Decidi parar a faculdade porque, no meu curso, a parte prática é vital, e não sei como vai ser nesses tempos que vêm por aí”, diz Edvaldo Mendes, de 20 anos, aluno de gastronomia em Teresina. Também o acesso às aulas virtuais, alternativa oferecida pelas universidades para atender alunos no confinamento do lar, espanta uma parcela dos jovens — muitos têm internet precária e não conseguem engatar no ensino on-line. Esse vem sendo o dia a dia de uma multidão de estudantes que, nas últimas duas décadas, foi guindada à graduação com a escalada das classes C e D. Atualmente, 89% dos mais de 6,2 milhões de universitários da rede privada do país são egressos da base da pirâmide, onde os que resistem estão penando para pagar a conta: no mês de abril, a taxa de inadimplência saltou de 15% para 25%, em relação ao mesmo período no ano passado.
Pois quando se projeta um futuro nem tão longínquo assim, o retrato que emerge do depoimento desses jovens traz otimismo e um bom alívio. Pesquisas internas de grandes grupos de ensino mostram que a imensa maioria dos que estão trancando a faculdade ou cogitando fazê-lo pensa em um retorno tão logo o quadro fique menos cinzento. “Nossa renda está dando apenas para as contas e o mercado. Voltarei quando a coisa melhorar, sem dúvida”, garante a gaúcha Elisandra Duarte, 32 anos, que fez uma pausa no curso de ciências contábeis, área na qual já trabalha e quer se graduar. Para estancarem a revoada, as instituições de ensino se mexem, diluindo as mensalidades ao longo de meses e distribuindo bolsas enquanto o coronavírus continuar a minar empregos. A Universidade Estácio de Sá, parte do grupo Yduqs, dará até três meses de isenção de pagamento a 10% de seus alunos. “Avaliamos caso a caso, priorizando estudantes que perderam o emprego”, diz Eduardo Parente, presidente do Yduqs. São medidas que miram dias melhores. “Estamos sacrificando o caixa agora para que os alunos permaneçam conosco”, diz Luciano Klima, presidente do Grupo Tiradentes, com base no Nordeste.
Em boa parte do mundo, instituições de alto prestígio, como Columbia e Harvard, nos Estados Unidos, e Oxford, na Inglaterra, também sentiram o baque da pandemia, que as colocou em situação inédita: como muitos alunos não confirmaram o retorno às aulas, elas estão estendendo o prazo para a matrícula e indo atrás de nomes que estavam na lista de espera por uma vaga. Além das finanças (afinal o desemprego não tem mais nacionalidade nos dias de hoje), pesam no caso dessas renomadas instituições indagações de cunho filosófico — uma fatia dos estudantes quer aproveitar a pausa para engatar um trabalho voluntário ou que tenha qualquer elo com a nova realidade. Essa pressão que se impõe sobre os alunos e suas universidades pode trazer algo de bom a curto prazo — várias delas estão dispensando tratamento personalizado aos estudantes para mantê-los firmes e interessados —, assim como tende a deixar uma herança positiva para quando a crise se for.
Bem antes da explosão do vírus, já havia uma acalorada discussão sobre o papel da universidade nestes tempos em que a aquisição de conhecimento de qualidade se dá pelos mais diversos meios — e evolui a cada instante. A atual chacoalhada força mais ainda as instituições a se provar decisivas na vida dos jovens. “A ideia de que o ensino superior é a única forma de ganhar dinheiro não pertence a esta geração, e o momento pelo qual estamos passando ajuda a catalisar esse pensamento”, disse a VEJA o americano Marc Prensky, da Harvard. A universidade terá de lapidar mais do que nunca nessas gerações competências deste século necessárias ao exercício de cada profissão. Quem sairá ganhando na corrida pela relevância serão estudantes como Suellen Mesquita, 33 anos. Mãe de quatro filhos, ela recebeu uma bolsa e, apesar das dificuldades, segue universitária. “O sonho de ser médica não foi trancado”, enfatiza. Bom para ela e para o país.
Publicado em VEJA de 20 de maio de 2020, edição nº 2687