O sacolejo provocado pela pandemia nos vários setores da vida fez a humanidade conjugar com ênfase a palavra reinvenção. Muita gente se viu subitamente sem emprego e com abundância de tempo livre, tendo à frente o enorme desafio de preencher o vazio inesperado, tanto financeiro como mental. Eis que aí se descortinou uma avenida que vem se mostrando profícua para uma turma empreendedora e entusiasmada em transmitir seu conhecimento acumulado: a dos cursos on-line, oferecidos em plataformas em que qualquer um, desde que tenha uma câmera na mão e o domínio de um saber, pode se tornar mestre em alguma área — de finanças pessoais a ioga ou até sushi. E assim uma multidão tem aderido à docência, ministrando 730 000 cursos sobre tudo nos três principais sites especializados no Brasil.
O crescente rol de cursos livres ganhou força na última década, quando a educação formal a distância passou a ser abraçada maciçamente e o hábito de aprender na internet se disseminou mundo afora. Nesse caso, não há vínculos com instituições de ensino e os certificados não são reconhecidos oficialmente — o que conta é assimilar uma nova expertise e dilatar os horizontes. A crise pandêmica deu a esse mercado que já avançava o trampolim que o alçou a um patamar nunca antes experimentado, já que as pessoas se revelaram dispostas a pagar por conteúdo, parte delas também em busca da própria reinvenção. Segundo levantamento de VEJA, as grandes plataformas registraram até cinquenta vezes mais inscritos de 2020 para cá. O trio que atrai mais brasileiros — a Hotmart Sparkle e a HeroSpark (nacionais) e a Udemy (americana) — soma uma classe virtual, digamos assim, de 80 milhões de alunos (veja o quadro). Como nesse universo não há literalmente fronteiras, os dois sites nacionais se expandiram pela América Latina, Europa e Estados Unidos. “Temos mais de 400 000 cursos administrados por mestres de perfis variados: de jovens criadores de conteúdo, alguns conhecidos, a uma professora de piano com mais de 70 anos”, conta Alexandre Abramo, diretor de produtos da Hotmart.
As áreas em alta nos dias de hoje estão ligadas a bem-estar, desenvolvimento profissional e geração rápida de renda, como meditação e ginástica, computação e gastronomia. Essa última impulsionou o carioca Alex Duarte, 46 anos, vinte deles dedicados à tecnologia da informação. Agora, ensina a produzir pães. Ele já havia feito a virada alguns anos atrás, quando se interessou pela técnica da fermentação natural, aprendeu tudo sobre ela e passou a dar aulas presenciais no mundo pré-vírus. Com a pandemia, o negócio secou, amargou prejuízo, e Alex partiu para o on-line. “Foi o que me salvou”, resume o hoje padeiro, que triplicou a renda e virou um dos maiores professores da Hotmart, com plateia virtual de 1 500 alunos, cada qual pagando 800 reais. “Muitas pessoas que já cultivavam um hobby perceberam que poderiam ganhar dinheiro fazendo o que amam na vida”, afirma Rafael Carvalho, CEO da HeroSpark e um dos autores do livro Paixão S.A.
Aqueles que se destacam entre os milhares de professores virtuais sempre encontram um jeito atraente de apresentar um assunto que dominam e sabem fazer bom marketing de seus cursos nas redes. “É fundamental encarar a atividade como um trabalho, produzindo vídeos novos toda semana, respondendo a dúvidas dos alunos e dando aulas que cumprem o que prometem”, enfatiza Elvis Rodrigues, um coprodutor de cursos on-line, que desempenha uma espécie de trabalho de consultoria, orientando os novatos, promovendo-os nas redes e às vezes até investindo para conferir às aulas um ar mais caprichado. Evidentemente que nessa montanha de cursos a qualidade oscila, inclusive em relação à produção, com uma enxurrada deles na base da dobradinha uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. A técnica em ótica Carol Viana, 38 anos, de São Paulo, foi bem mais longe com seus módulos sobre a confecção de bolsas de tecido. “Logo no início, tive mais de 1 000 inscrições”, orgulha-se Carol, que resolveu aprender o ofício em meio a uma depressão e nunca mais parou. Hoje pilota sete cursos e fatura cerca de 1 milhão de reais por ano. “Montei um estúdio e agora tenho uma equipe de doze pessoas para dar conta de toda a demanda”, diz.
As plataformas costumam ficar com uma porcentagem entre 8% e 10% do total das vendas, um mercado lucrativo que se expande de modo acelerado em países da Europa e nos Estados Unidos. Um nicho para lá de rentável é o dos cursos capitaneados por celebridades, a exemplo dos oferecidos no site MasterClass, onde figurões como Gordon Ramsay, Samuel L. Jackson e Martin Scorsese faturam alto. A brasileira Curseria, envereda pela mesma linha, com um cardápio de nomes que inclui Marcelo D2, Galvão Bueno e os chefs Claude Troisgros e Henrique Fogaça, cujo curso de estreia virou campeão de vendas. “Já havia ensinado em meu canal do YouTube, mas aprendi a ser mais didático”, avalia Fogaça, que conta até com roteirista para profissionalizar suas saborosas aulas. É clicar e aprender.
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759