Experimentei, gostei, fiquei: um novo impulso à universidade a distância
Com as faculdades fechadas, alunos descobriram uma modalidade da qual não querem mais abrir mão
Ensino on-line virou uma das palavras-chave deste 2020. Primeiro, teve conotação negativa, quase que sinônimo de caos, já que os alunos precisaram engatar a jato nas aulas a distância sem nenhum preparo para encarar tamanha sacudida. Quem mais sentiu o baque foram os menores, que estão aprendendo aos poucos a se virar e a ganhar independência. Já os universitários fizeram a passagem para o estudo remoto com maior suavidade, como era mesmo esperado: a maturidade é componente essencial para manter disciplina e foco e conseguir lidar sozinho com aqueles momentos de aspereza acadêmica. A boa experiência está agora levando uma parte da turma a dar caráter permanente a algo que se supunha provisório, em trilha semelhante à que percorrem jovens de outros países. Muita gente testou, gostou e está resolvendo ficar na modalidade conhecida oficialmente pela sigla EAD — a do ensino universitário a distância.
A desconfiança sobre as faculdades on-line já vinha se dissipando no Brasil, onde elas estrearam há pouco mais de duas décadas e por um bom tempo foram vistas como “graduação de segunda classe”. O avanço na qualidade dos cursos, aliado à assimilação deles pelo mercado de trabalho, lhes conferiu credibilidade. E assim a demanda escalou a ponto de, há um ano, se dar um marco histórico: pela primeira vez, o número de calouros se concentrou mais na modalidade a distância do que na presencial, cravando 2,5 milhões de jovens. No balaio universitário brasileiro, eles já representam um terço do total. Pois nestes últimos meses o fechamento dos portões universitários acabou por dar novo empurrão a esse nicho tão em alta mundo afora, atraindo gente que, antes, nunca consideraria estudar de casa. A paulista Thabata Cipriano, 24 anos, planejava iniciar a graduação em administração de empresas em uma sala de aula com lousa e professor do lado, até que assistiu às lições remotas de direito da cunhada e resolveu dar uma chance ao EAD, sem convicção. “É uma vantagem poder definir hora e lugar para estudar, além de assistir ao conteúdo quantas vezes quiser. Não volto para o presencial”, decreta.
A presença desse público vem deixando mais heterogêneo o perfil dos frequentadores das aulas virtuais — tipicamente mais velhos, em busca de mensalidades mais baratas e embalados em algum emprego. “O rol dos alunos de EAD já estava mais abrangente e diversificado, e isso se acentua neste momento em ritmo veloz”, pontua Sólon Caldas, diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior. Uma ala dos novatos nesse grupo é formada por um pelotão que, às voltas com o home office, avaliou ser boa hora para encaixar os estudos à rotina e regressou às carteiras sem sair de casa. Aos 41 anos, o advogado Benedicto Patrão arranjou um tempinho para realizar o sonho de cursar filosofia. “Venci meus preconceitos e estou adorando”, afirma ele, que se reveza entre dois escritórios e ainda leciona. Outra turma de recém-chegados ao EAD experimentou e decidiu migrar de vez para a modalidade depois de considerar as incertezas sobre quando sua universidade reabriria, além do preço. “Nesses dias difíceis, economizei 600 reais por mês e não sinto que tenha perdido no aprendizado”, diz o paulista Victor Gabriel, 20 anos, que estuda design.
O reflexo desse movimento se traduz nos números captados em um recente levantamento que analisou as idas e vindas dos grupos de ensino listados na bolsa, como Cogna e Yduqs, entre julho e setembro deste ano. O estudo, do banco Santander, conclui que, após o declive dos primeiros tempos pandêmicos, o EAD é hoje o que os faz crescer — enquanto os ingressantes no ensino presencial recuaram até 37%, nos cursos a distância a subida chegou a 54%. “Estamos em plena segunda fase do avanço da universidade on-line”, define João Vianney, da consultoria Hoper. Escolados nesse terreno, professores e alunos alertam sobre a necessidade de escolher o curso de forma criteriosa, informar-se de quão interativa será a experiência e se organizar em casa (veja o quadro). “A distância exige empenho extra, mas a flexibilidade me conquistou”, resume a fotógrafa carioca Gleice Medeiros, hoje aluna de ciências biológicas. Flexibilidade, aliás, é outro dos vocábulos em alta nestes tempos de tanta transformação.
Publicado em VEJA de 2 de dezembro de 2020, edição nº 2715