Sai uma geração, entra outra, e o debate sobre o ponto de equilíbrio entre o liberal e o severo na educação dos filhos segue firme. Cada família, imersa em sua própria cultura e modo de enxergar o mundo, envereda por uma trilha, num processo quase que intuitivo, à base de tentativa e erro. Mas já há boa ciência acumulada nesse terreno — um conhecimento capaz de derramar luz sobre os dilemas vividos por qualquer pai ou mãe e lhes dar algum norte sobre como agir. Uma nova frente de pesquisas vem se atendo a uma questão central, que atormenta progenitores de todo o planeta: até que ponto elogiar a criançada? Pois a conclusão colide com o velho ditado “Elogio nunca é demais” e sustenta que o excesso de manifestações positivas pode, sim, atrapalhar.
Uma das constatações a que os estudiosos chegaram reforça a ideia de que enaltecer o tempo todo os pequenos tende a gerar grandes bolhas, dentro das quais eles se percebem livres de defeitos e predestinados ao sucesso, conceitos naturalmente distorcidos. Outro efeito colateral do elogio em demasia é desencadear um ciclo movido a pressão, em que os filhos ficam constantemente tentando fazer frente às imensas expectativas depositadas neles. “Muitas vezes, avaliações generosas e abundantes sobre a habilidade da criança alimentam nela uma elevada ansiedade para corresponder”, frisa a VEJA o holandês Eddie Brummelman, coautor de uma das relevantes pesquisas sobre o tema, liderada pela Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Ele e os colegas alertam ainda sobre um desdobramento na vida adulta daqueles que sempre recebem nota 10 dos pais (mesmo quando não merecem). “O choque de realidade pode levar à insegurança e à dificuldade de lidar com o fracasso. E a tendência acaba sendo a opção por caminhos mais fáceis com o objetivo de alcançar a sensação de vitória a qualquer custo”, diz Brummelman.
Capitaneada pela especialista Carol Dweck, autora do best-seller A Nova Psicologia do Sucesso, a pesquisa de Stanford mergulhou de forma qualitativa em um universo de 400 estudantes, entre 11 e 12 anos. De um lado, ficou a turma que recebia frequentes elogios de pais e professores acerca de suas notas e intelecto, e, do outro, um grupo exaltado pelo esforço envolvido na aquisição de saber na escola. Com todo o rigor científico, descobriu-se que aqueles que haviam sido sistematicamente valorizados pelo empenho se tornaram alunos mais interessados e abertos a desafios do que os que se acreditavam “brilhantes” — estes revelavam mais nervosismo antes das provas e preferiam explorar questões simples às mais complexas.
A ciência pode ajudar a tornar menos intuitivo o árduo exercício da maternidade, para o qual, como se sabe, não há gabarito. Pedagoga e também mãe, Maya Eigenmann, 33 anos, aprendeu a pisar no freio nos rasgados elogios que tecia à prole. “Fazia festa a cada pequena conquista, pois achava que essa era a melhor forma de incentivar e de demonstrar amor”, conta ela, que tem os filhos Luca, 5 anos, e Nina, 3, com quem vive na Inglaterra. Maya, que é adepta das teses de Dweck, acha que a mudança de rota funcionou: “Parei de celebrar tudo e sinto que hoje eles são mais independentes, demandando menos aplausos”, diz.
A ascensão do elogio como ferramenta para a educação data da década de 70, quando se popularizou nas universidades americanas o movimento “autoestima positiva”, em contraposição a uma rigidez então percebida como limitadora para o livre pensar. Daí nasceu a ideia, que viria a proliferar, de que professores e pais deveriam dar retornos favoráveis à turma jovem, como um estímulo para que eles não desistissem dos estudos. Esses novos ares foram ventilados também no ambiente familiar, logo suscitando correntes contrárias — e até hoje vivas — que se arvoram contra o que chamam de “aplauso tóxico”. Em 2010, o polêmico Grito de Guerra da Mãe Tigre, da escritora americana descendente de filipina Amy Chua, trouxe à baila, mais uma vez e com grande estrondo, a questão da disciplina na criação dos filhos, que fervorosamente defende — incluindo penalidades para os que não fazem a sua parte. Foi torpedeada por muita gente, mas propôs uma essencial reflexão sobre o equilíbrio na formação das novas gerações.
Outra que sacolejou o debate foi a americana Pamela Druckerman, que se mudou para Paris e percebeu no modo de educar francês um misto de autoridade e autonomia capaz de, segundo ela, produzir seres menos dependentes e mimados. Seu best-seller Crianças Francesas Não Fazem Manha concluiu que a chave estava em traçar limites sólidos, envolver as crianças na rotina da casa e jamais tornar a maternidade ou a paternidade o trabalho número 1 na vida de um adulto. Isso tudo não exclui o elogio quando ele bem couber. “Nunca reconhecer conquistas ou uma melhora de atitude descamba para o excesso oposto, podendo causar baixa autoestima”, pondera a psicóloga Ana Lídia Zerbinatti, ressaltando que aplauso tem hora e lugar (veja o quadro). Mãe de um quarteto, a professora Daniela Mazzarella, 33 anos, diz que tenta eleger de maneira racional o momento certo de bater palmas. “Aplaudo, principalmente, quando o resultado de meus filhos inclui uma mudança de postura”, explica ela, ciente de que não há resposta certa. Na dúvida, vale o bom senso: nunca exagere.
Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704