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Ele saiu de escolas públicas para a USP — e foi aprovado em Harvard

Leia o depoimento do estudante Gregory Trindade Calheiros

Por Gregory Trindade Calheiros
Atualizado em 4 out 2019, 11h12 - Publicado em 4 out 2019, 06h00

Sempre quis ser médico. Na infância, desejava saber como tudo funcionava. Ganhava um carrinho e o desmontava para tentar entender como ele tinha sido feito. Quando ia ao médico, ficava espantado com a minúcia dos exames. Mas, para chegar à faculdade de medicina, eu sabia que não seria fácil. Nasci e moro até hoje no bairro de Itaquera, na Zona Leste da capital paulista. Minha mãe é professora primária e meu pai é vendedor. Eles nunca puderam pagar escola particular ou curso de idiomas para mim. Na escola onde eu estudei até o 6º ano, o tráfico era supercomum, as pessoas passavam drogas no banheiro. Às vezes alguns alunos desapareciam por um tempo, porque estavam fugindo do traficante, depois voltavam. Nunca me envolvi com nada disso, mas me sentia acuado. Mudei de escola no 7º ano e fui para um ambiente um pouco melhor. Ainda assim, não sabia nem somar frações quando terminei o ensino médio. Tive de aprender muita coisa sozinho: lia revistas que minha mãe comprava com desconto, por ser professora, e estudei inglês com livros da biblioteca.

Quando estava chegando a hora de prestar vestibular, sabia que não passaria só com o que tinha aprendido na escola, e tentei ganhar bolsas de estudos em cursinhos. No total, levei cerca de três anos e meio até conseguir passar em medicina. Em dezembro de 2015, eu voltava de uma prova de vestibular quando o ônibus em que eu estava se envolveu em um acidente. Minha mãe quebrou o braço e eu não me machuquei, mas passei a ter crises de síndrome do pânico e depressão. Só um ano depois, quando já estava melhor e cursando medicina na Faculdade Santa Marcelina — havia conseguido uma bolsa de estudos por causa do meu desempenho no Enem —, prestei Fuvest de novo, mas sem me preocupar. Afinal, já estava no curso. Acabei passando na Faculdade de Medicina da USP.

Na universidade, meus amigos têm melhor condição de vida, moram em coberturas e têm carrões, mas não ostentam. Há outros colegas, no entanto, que me assustam um pouco. Em alguns feriados prolongados, eles contam que vão a Nova York como se estivessem dizendo que vão à Rua 25 de Março, no centro de São Paulo. Eu demoro uma hora e meia para chegar à faculdade de medicina. Meus colegas ficam chocados com o meu cansaço, porque quase todos moram perto da USP. Quando me falaram da oportunidade de fazer intercâmbio na Universidade Harvard, eu me candidatei sem pretensão nenhuma. Consegui desenvolver bem as respostas durante a entrevista em inglês com a orientadora, mas meus colegas que também estavam tentando tinham feito cursos do idioma e estudado fora. Achei que não teria chance.

Consegui uma das quinze vagas na Harvard destinadas a alunos da USP. Por um ano, farei pesquisa na universidade americana. Estou perto de um sonho. Para isso, precisarei de cerca de 80 000 reais para me manter. Um banco está doando uma bolsa de 24 000 reais, mas o resto estou tentando conseguir com uma campanha de financiamento coletivo on-­line, uma vaquinha (www.catarse.me/ajude_um_aluno_da_periferia_a_ir_para_harvard_a4c0/). Sem esse dinheiro, não poderei ir. Antes, com o programa Ciência sem Fronteiras, a USP oferecia bolsas a alunos da graduação que fossem estudar fora. Agora, não há mais essa possibilidade. Está difícil fazer pesquisa no Brasil, não há dinheiro. Vi estudos que poderiam ajudar cardiopatas a ganhar um protótipo de coração ser interrompidos por falta de verba. Como desenvolver tecnologia que pode melhorar a vida das pessoas sem pesquisa? Mas temos de continuar a brigar por oportunidades.

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Depoimento dado a Meire Kusumoto

Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2019, edição nº 2655

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