Educação pode retroceder até quatro anos devido à pandemia
Alunos em situação de vulnerabilidade social e que vivem nas regiões Norte e Nordeste foram os que menos aprenderam
A crise do novo coronavírus, que causou o fechamento dos portões escolares em março de 2020 e retirou milhões de crianças e adolescentes das salas de aula no país, pode provocar um retrocesso de quatro anos na educação brasileira. Segundo um estudo do Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil e a África Lusófona (FGV EESP Clear), encomendado pela Fundação Lemann, os alunos deixaram de aprender mais em matemática em comparação com língua portuguesa e, na maioria dos casos, os mais prejudicados são aqueles do Ensino Fundamental. “O custo de os alunos não terem aula nem serem compensados com um ensino remoto de qualidade não é transitório. Trata-se de um problema de médio a longo prazo para a sociedade e que certamente vai gerar consequências negativas no crescimento econômico do país”, afirma André Portela, pesquisador líder do estudo e professor Políticas Públicas da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.
A simulação considerou três cenários, todos tendo como referência o aprendizado em língua portuguesa e matemática de estudantes nos anos finais do Ensino Fundamental (5º ao 9º) e no Ensino Médio. Numa conjuntura otimista, na qual os alunos aprendem no ensino remoto tanto quanto aprendem no presencial, a proficiência em português pode ter regredido em três anos, ainda que as atividades escolares tenham sido realizadas. Enquanto isso, no contexto intermediário, que leva em consideração que os alunos aprendem no ensino não presencial proporcionalmente às horas dedicadas a atividades escolares, a perda é superior aos 30% nos dois segmentos. Ou seja, equivalente ao resultado de proficiência do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2017. No cenário pessimista, no qual os alunos não teriam aprendido nada com o ensino remoto, ambos os ciclos perdem mais de 70% no aprendizado.
O crescimento da desigualdade também foi apontado no estudo. Os grupos mais prejudicados são formados por alunos do gênero masculino, que se autodeclaram pardos, pretos ou indígenas, com mães que não concluíram o Ensino Fundamental e que moram nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Já os alunos menos prejudicados são, na maioria dos casos, do gênero feminino, que se declaram brancas, e com mães que estudaram, no mínimo, até o fim do Ensino Médio. “A pandemia aprofundou problemas que já existiam, como a desigualdade, a proficiência e a evasão escolar. Por causa do acesso desigual é preciso mensurar individualmente, a partir de avaliações diagnósticas, o nível de cada aluno”, explica Daniel de Bonis, diretor de Políticas Educacionais na Fundação Lemann. Segundo de Bonis, apesar da crise, essa pode ser uma oportunidade para a educação ser valorizada. “Todas os países que melhoraram a qualidade do ensino têm em comum a valorização da educação para o bom desenvolvimento da sociedade”, completa.
Para os especialistas, é necessário que os governos se unam para mitigar os retrocessos e promover a volta às aulas presenciais de forma segura o mais rápido possível. “Quando o aprendizado não acontece no tempo certo, é preciso aumentar os esforços e os custos para recuperar o tempo perdido. Isso inclui readequação do currículo, aumento da carga horária e do número de professores”, diz Portela, que afirma que o investimento necessário para reduzir a perda de aprendizado varia conforme a idade do aluno, mas afeta toda uma geração de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos.