A escola vai às ruas
Depois de congelar verbas de universidades federais, Bolsonaro enfrenta o primeiro grande protesto contra seu governo com bravatas e trapalhadas
Menos de um mês depois de o governo federal avisar que podaria recursos de universidades federais e colégios públicos, uma multidão estimada em 1 milhão de pessoas ocupou ruas em todos os estados brasileiros na quarta-feira 15 para protestar. Na véspera, enquanto sindicatos e associações de ensino diziam que as costuras estavam bem alinhavadas e que haveria paralisação em peso, altos integrantes do Ministério da Educação apostavam que seria “coisa minguada”. Erraram: em todas as 63 universidades sob a guarda do MEC houve suspensão de aulas, faculdades privadas aderiram e escolas públicas e particulares cerraram as portas. No Twitter, as hashtags #NaRuaPelaEducação e #TodosPelaEducação foram alçadas ao topo da lista dos assuntos mais comentados. O ato, que também atacou a reforma da Previdência, expôs não só a fissura provocada pelo contingenciamento de verbas anunciado pelo ministro Abraham Weintraub, na casa de 7,4 bilhões de reais, como o potencial de desgaste do governo com a medida. “Se não voltarem atrás, faremos uma greve a partir de 14 de junho”, disse a VEJA Eblin Sarage, secretária-geral da Andes, sindicato que congrega os docentes.
No Brasil, ainda que tais cortes sejam absolutamente necessários, toda vez que um governo passa a tesoura no orçamento da educação, há vigorosos protestos. O do dia 15 ganhou força com a postura intransigente do ministério. O meio acadêmico, que se estranha com Jair Bolsonaro desde a campanha presidencial, entrou em ponto de fervura quando Weintraub surgiu com a ideia de destinar menos dinheiro para as ciências humanas, favorecendo “cursos mais produtivos”. Depois ameaçou tirar verbas de três universidades federais que promoviam “balbúrdia”, conceito definido por ele como “bagunça, gente pelada” no câmpus. Logo voltou um passo atrás para dar dois para a frente: todas as federais, então, seriam afetadas, comunicou. “O ministro deveria ter negociado, conversado, e fez justamente o contrário, colocou o pé na porta”, avalia um integrante da alta cúpula bolsonarista. O cientista político da Tendência Consultoria Rafael Cortez concorda: “A falta de tato na maneira de apresentar os cortes e tratar dos assuntos da educação, sempre de forma ideológica, é um problema”.
Mesmo com as ruas tomadas no Brasil, o presidente não baixou o tom ao aterrissar em Dallas, nos Estados Unidos. Classificou os estudantes que foram protestar de “idiotas úteis” e disparou: “A maioria ali é militante. Se perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada”. Bolsonaro agradou a uma parte de suas hostes, mas enfureceu as massas e até mesmo movimentos como o MBL, normalmente mais alinhados com o atual governo. Imediatamente, os estudantes produziram o cartaz “Bolsonaro, a fórmula da água é H2O e a da ignorância é B17 (seu número na eleição)”. A declaração do presidente teve um segundo efeito: causou entre os deputados uma indisposição ainda maior — e quem sentiu o baque foi o ministro Weintraub, que havia sido convocado para prestar naquele dia explicações sobre os cortes em plenário, na frente de todos os parlamentares.
Normalmente, esse tipo de sabatina ocorre em comissões específicas. O antecessor de Weintraub, Ricardo Vélez, por exemplo, foi arguido pela Comissão de Educação da Câmara. O que fez o ministro ser obrigado a comparecer e falar em sessão aberta, aliás, não tem nada a ver com educação, mas com política pura e simples. Como o governo estava trancando pautas caras ao chamado Centrão (liderado pelo DEM), a ala, que costuma apoiar os bolsonaristas, desta vez se aliou a partidos de esquerda e votou pela convocação do ministro, contribuindo decisivamente para o acachapante placar de 307 (sim) contra 82 (não). Weintraub passou seis horas sendo torpedeado — “debochado”, “incompetente”, “renuncie”, atiraram os deputados. Esperava-se um desastre. Não foi. Mas o tom do ministro, visto como “conflitivo” e “ideológico”, deixou uma má impressão em boa parte do plenário — e isso pode vir a cobrar seu preço mais tarde.
Antes de viajar para os Estados Unidos, o presidente reuniu-se com alguns líderes de partidos, que saíram do encontro convictos de que ele voltara atrás nos cortes. Isso porque, no meio do encontro, Bolsonaro pegou o telefone e, segundo os parlamentares presentes, teria dito a Weintraub para cancelar a medida. Não demorou muito para o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, desmentir o recuo. “Essas idas e vindas criam uma insegurança improdutiva para quem está na ponta da educação, em escolas e universidades”, alerta Priscila Cruz, presidente executiva da ONG Todos pela Educação.
A princípio, o governo só vai reconsiderar a decisão em dois cenários: se a crise fiscal se amenizar ou se politicamente ficar insustentável manter a posição. Um dos focos de pressão pode vir do próprio Centrão, que concentra deputados eleitos em cidades do interior. Eles sofrerão perdas importantes em suas bases, uma vez que a faca do MEC atinge as redes municipais e estaduais de ensino e, por consequência, serviços de alto apelo eleitoral, como transporte escolar e vagas em creches. A tirar pela virada de casaca que o grupo protagonizou na Câmara nesta semana, não seria surpreendente que tentasse emparedar o governo em relação aos cortes. Enquanto isso, o debate sobre os rumos da educação propriamente dita continua no andar térreo, aguardando saídas para guindar o Brasil dos últimos lugares na sala de aula.
Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635
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