A curiosidade me move desde criança. Quando pequeno, lembro de ficar encantado com aulas sobre o sistema solar e a formação do arco-íris. Mergulhei de cabeça nos livros para entender como o mundo funcionava, sempre tirando boas notas no colégio. Não demorou para que meus professores percebessem meu talento. Assim, aos 10 anos, fui introduzido ao universo das Olimpíadas do Conhecimento. Participei de tudo que é competição: astronomia, matemática, química, física e biologia. Ganhei 95 medalhas. No meio desse período, recebi o diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) e superdotação. Obter o laudo foi como encaixar a última peça de um quebra-cabeça. Quando as coisas não saem como planejado, fico perdido e frustrado. Finalmente entendi o motivo. Ao ampliar o autoconhecimento, consegui traçar metas mais precisas e, sete anos após a minha estreia, conquistei um excelente desempenho: arrematei medalhas de prata na Olimpíada Internacional de Biologia e na Olimpíada Europeia de Física.
Ser autista não é fácil, mesmo estando em um grau leve do espectro. Já sofri preconceito que atribuo à falta de informação. Quando não há conhecimento sobre as diversas faces do TEA, os estereótipos depreciativos ganham espaço, infelizmente. Na minha escola, dei sorte e sou aceito do meu jeito. Meus amigos e professores compreendem que a rigidez faz parte de mim. Eles conhecem minhas necessidades e fazem de tudo para me incluir em seu círculo social. Também conto com a torcida estrondosa da minha mãe e sinto que fica feliz quando uso as minhas altas habilidades para representar nosso país nas competições. Não há espaço para discriminação nas Olimpíadas. Assim como meus rivais, tenho que me adaptar e encontrar soluções para os problemas. Nem sempre um experimento sai como o planejado. Com o tempo, a ciência me fez entender que está tudo bem se eu perder um pouco do controle. O que importa é saber como voltar aos trilhos depois.
Manter o foco é outro fator primordial. Tenho uma rotina de estudos, em que busco equilibrar as aulas preparatórias do colégio com os exercícios em casa. O nervosismo, claro, faz parte do processo. Mas, se fico seguro que aprendi, passo a ter a certeza de que estou dando o meu melhor em cada etapa. E isso basta. Foi com essa mentalidade que aterrissei no Cazaquistão para a Olimpíada Internacional de Biologia, acompanhado de uma equipe brasileira, no mês passado. Fiz provas práticas e teóricas sobre assuntos que vão da anatomia à bioinformática. Na premiação, fiquei muito tenso, confesso. Todos os meus colegas já haviam sido chamados, menos eu. Ouvir meu nome ser anunciado em segundo lugar foi um daqueles momentos que nunca vou tirar da memória. Jamais imaginaria que repetiria o feito poucos dias depois na Olimpíada Europeia de Física, na Geórgia. Mas foi o que aconteceu.
Comparado a outros países, o Brasil ainda investe pouco em ciência e tecnologia, mesmo tendo renomados institutos de pesquisa, como o Butantan e a Fiocruz. É uma pena, poderíamos ter um número muito maior de jovens pesquisadores caso os alunos fossem devidamente estimulados desde a infância. Embora tenha vencido torneios no exterior, não quero deixar o meu país e sonho em cursar medicina na Universidade de São Paulo (USP). É o único curso que une todos os meus interesses, entrelaçando química, física e biologia. Não tenho dúvidas de que quero contribuir para a produção de conhecimento e tornar o mundo um lugar melhor. Talvez, quem sabe, também consiga mostrar, pelo exemplo, que a ciência é inclusiva. Afinal, sou muito mais do que um diagnóstico.
Alexandre Andrade em depoimento a Paula Freitas
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2024, edição nº 2905