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Renda Brasil: A interminável discussão em torno de como pagar o programa

Empresários sugerem usar dinheiro de reforma e privatização, enquanto outras formas de tornar palpável ideia de Bolsonaro quase custaram cabeças

Por Josette Goulart, Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 14h56 - Publicado em 15 out 2020, 09h19
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  • Não foram poucas as ideias apresentadas pela equipe econômica para arrumar um naco do orçamento que pudesse fazer frente a um substituto do auxílio emergencial. Mas as propostas acabaram vinculadas a tirar dinheiro de pobres para dar aos mais pobres. Foi assim que o Renda Brasil morreu e nasceu o Renda Cidadã, que por sua vez está em suspenso até dezembro, quando acaba a distribuição do auxílio emergencial. De onde tirar dinheiro? Um grupo de empresários brasileiros tem uma proposta e apresentou um projeto de lei a parlamentares e ao governo. Junto com o projeto, um manifesto: “Não podemos perder mais tempo com disputas ideológicas e, infelizmente, estamos politicamente divididos”. A ideia deles é pegar parte do dinheiro que o governo federal vai economizar com a reforma administrativa, que muda a remuneração e plano de carreira dos funcionários públicos, e parte do que arrecadar com a venda de empresas estatais e destinar ao programa de renda complementar que eles voltaram a chamar de Renda Brasil. Pelas contas dos empresários daria para conseguir aproximadamente 240 bilhões de reais em dez anos. Simples. Só resta saber se o ministro da Economia, Paulo Guedes, já não tem outros planos para esses recursos.

    De acordo com uma versão preliminar do projeto de lei costurado pelos empresários e encaminhado a integrantes do governo e do parlamento, 30% dos recursos oriundos da venda de estatais, somada à dinheirama gerada pela economia com os servidores públicos seriam alocados em um fundo, chamado Fundo Convergência, administrado por um conselho composto por membros da iniciativa privada e do Ministério da Economia, que seria gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDES. Desse montante, 10% seria utilizado anualmente para financiar o programa de distribuição de renda até quando acabar o governo.

    A proposta formulada pelas lideranças do Movimento Convergência, que reúne alguns nomes polpudos da economia do país, tem aval de ex-integrantes do governo como o ex-secretário de Desburocratização Paulo Uebel, que saiu da equipe de Guedes depois do vai-não-vai da reforma administrativa. Estão na lista dos empresários nomes como os de Jayme Garfinkel, fundador da Porto Seguro; Luiza Helena Trajano, presidente do conselho do Magazine Luiza; Jorge Gerdau Johannpeter, dono da Gerdau. Entre os executivos estão nomes como Fábio Barbosa, ex-presidente do Santander Brasil; Cassio Casseb, ex-presidente do Banco do Brasil, Elvaristo T. Amaral, ex-Santander/Banespa; e Décio Clemente, que foi diretor de marketing da Fiat. Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, é um dos nomes da política. Alguns dos integrantes do grupo procuraram Uebel para que o ex-secretário de Guedes fizesse uma análise sobre as propostas, bem recebidas por ele. Uebel, então, aproveitou as poucas reuniões com o grupo para apresentar um diagnóstico do funcionalismo brasileiro e as duras penas para as contas públicas com os altíssimos gastos da máquina pública.

    O projeto já foi enviado para o Ministério da Economia e descansa nos sistemas da pasta, mas pelo o que disse em entrevista a VEJA Elvaristo Amaral, um dos porta-vozes do movimento, o ministro Guedes ainda não deu sua opinião sobre o assunto, tampouco os recebeu. O único entusiasmado até agora teria sido o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, que inclusive vai receber a proposta na próxima semana. Como Bolsonaro sempre diz que quem dita os rumos na economia é Guedes, o grupo ainda terá que passar pelo ministro. No Congresso, o outro entusiasta, segundo Amaral, é o deputado Osmar Terra, uma das vozes que reforçaram o coro de Bolsonaro à ideia de que o coronavírus não iria matar mais do que mil pessoas e, portanto, qualquer medida como o isolamento social era um exagero — além, é claro, dos louros da cloroquina para a doença, o que mostra-se cada dia mais frágil.

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    O movimento Convergência nasceu para se distanciar dos radiciais e conversar com pessoas de bom senso, segundo Amaral. Eles acreditam que a iniciativa representa todo o Brasil com a proposta de renda mínima. O conselho do grupo é formado por 25 pessoas, todos empresários, ex-executivos ou políticos. A proposta, acreditam, além de sanar uma das preocupações principais de Guedes,  seria um facilitador para o próprio governo conseguir aprovar privatizações e reformas no Congresso Nacional. Apesar de defenderem o uso de parte do dinheiro que seria economizado com uma reforma administrativa, os idealizadores não formularam sua própria proposta de reforma. Outro ponto defendido por eles, que o fundo com recursos públicos possa ser administrado por um conselho que tenha representantes do setor privado, já fez políticos e sociedade torcerem o nariz, mas o fato de colocar o fundo nas asas do BNDES poderia ser um facilitador, na visão do grupo. A ideia é que o conselho diretor deste fundo bilionário tenha representantes públicos e privados, mas a cada dois anos será presidido por um representante do setor privado. A iniciativa lembra a fracassada experiência do Ministério Público Federal em formar um fundo para administrar o dinheiro recuperado dos escândalos colocados à luz pela Operação Lava-Jato. A proposta da força-tarefa não deu dois passos antes de ser derrubada.

    Auxílio emergencial

    Desde que viu sua popularidade crescer na esteira do seu auxílio emergencial, Bolsonaro incentivou a equipe econômica a buscar formas de botar de pé um novo programa de renda básica. A forma de financiar o programa já quase custou a cabeça do secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues. Depois que o homem forte das finanças de Guedes revelou que os planos em estudo para o então Renda Brasil envolvia o congelamento de aposentadorias e do salário mínimo, para a fúria do presidente. “Quem, porventura, vier me apresentar uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho”, disse o presidente Bolsonaro. “Até 2022, o meu governo está proibido de falar a palavra (sic) Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto-final”. Talvez pela censura ao título do programa por parte do próprio presidente, a equipe de ministros e aliados do governo no Congresso Nacional batizaram o novo Bolsa Família com outro nome, o Renda Cidadã. Se os valores fechados ainda estavam em estudo, a classe política bateu o martelo sobre como pagar a conta — o que apenas complicou o já complicado.

    Na ânsia de Bolsonaro de pintar de verde e amarelo o Bolsa Família, o ministro Guedes foi incumbido da missão de arranjar uma forma de financiar o anabolizante do programa idealizado pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Em aceno à política, o ministro terceirizou ao senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento no Congresso Nacional, o esforço de encontrar alternativas para pagar o novo programa. Deu no que deu. Depois de apresentada, a proposta de utilizar recursos destinados ao pagamento de precatórios e destinados ao Fundeb, o fundo da educação, caiu como uma bomba no mercado financeiro e perante à opinião pública. A ideia foi entendida como assumir um calote abertamente como forma de financiar um projeto do governo. Com a jogada, Guedes pretendia mostrar que, sem um novo imposto sobre movimentações financeiras, um simulacro da CPMF, não havia forma de a arrecadação suprir os desejos do presidente. Na primeira oportunidade, Guedes rechaçou publicamente a ideia mirabolante e afirmou que a proposta não havia sido aprovada pelo Ministério da Economia.

    A incerteza, agora, segue no Congresso Nacional. A Comissão Mista de Orçamento, a CMO, virou campo de batalha entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o líder informal do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), em uma disputa que tem como pano de fundo a queda de braço pela sucessão de Maia na cadeira de presidente. Amigo do atual chefe da Câmara, Elmar Nascimento (DEM-BA) é o candidato de Maia para assumir a bronca do Orçamento. Lira (PP-AL) e o deputado Wellington Roberto (PL-PB), por sua vez, brigam para que Flávia Arruda (PL-DF) seja a mandachuva do projeto. A inserção dos recursos para financiar o Renda Cidadã no projeto, vira e mexe, vira tópico nos bastidores do Congresso Nacional, já que a determinação de Guedes é de que o programa caiba no teto de gastos, sem que o país descambe para a irresponsabilidade fiscal. A aproximação recente de Maia e Guedes apenas pôs lenha na fogueira das discussões. Apesar das divergências dos dois em torno da CPMF, ambos concordam que a manutenção do teto é vital para a economia do país. E, pelo andar da carruagem, as discussões apenas começaram.

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