O empresário Carlos Wizard Martins é um dos maiores franqueadores do país. Seu grupo comanda marcas como Taco Bell, Mundo Verde, Ronaldo Academy, Rainha e Topper. Seus planos costumeiramente incluem dobrar o número de lojas existentes em cada uma das redes.
O ano de 2017 marcou o retorno do empreendedor ao setor de idiomas com a aquisição de 35% da holding Wiser Educação – formada pelas escolas Wise Up, Number One e You Move. Em havia saído o segmento em 2013, quando vendeu o Grupo Multi, composto pelas escolas Wizard, Yázigi, Microlins e Skill, para a britânica Pearson por R$ 2 bilhões.
O executivo, que acrescentou a marca da primeira empresa (Wizard) ao nome, é um dos mórmons mais conhecidos do Brasil. Por isso, nunca trabalha aos domingos, quando se dedica à igreja. Os sábados são dedicados à família, com quem divide o comando da empresa. Abaixo, entrevista concedida a VEJA em sua casa em Campinas, no interior de São Paulo.
Por que o senhor voltou para área de idiomas?
Eu passei 25 anos da minha vida à frente de uma escola. Saí do zero até alcançar uma operação com 3.000 escolas, virou uma paixão. Do lado racional, posso dizer que o mercado de ensino de idiomas é ascendente. Temos apenas 2% da população brasileira falando inglês fluentemente. Muitos estudam, fazem curso, têm alguma noção do inglês. Mas falar, discursar, participar de reuniões, negociar em inglês, é uma porcentagem pequena da população que consegue.
O ensino de inglês por Skype e outras tecnologias não tira a competitividade do modelo tradicional de escola?
Ninguém fica fluente em um idioma em apenas alguns meses. Nessas propostas online, a pessoa geralmente se matricula no primeiro mês, no segundo já não está tão comprometida e desiste no terceiro. A permanência média nos cursos online é de três meses. Para ficar fluente é preciso mais tempo. O que notei é que somente aula presencial o aluno não quer. Só online, também não. Mas vai querer se tiver o presencial aliado ao online, pois vai ter liberdade de estudar quando quiser e tiver tempo.
O senhor tem planos de expandir a Wise Up?
Nós temos algumas práticas de gestão e negócio que possibilitam essa expansão. A nossa meta inicial é atingirmos mil escolas nos próximos três anos. Formamos uma holding que planeja fazer aquisições, como a Number One, uma escola tradicional de Minas Gerais. Hoje, temos 450 escolas.
Qual o segredo para empreender com sucesso em um país em que tantas empresas fecham com pouco tempo de vida?
Não existe segredo do sucesso. O que existe é a pessoa ter uma estratégia, um plano de ação, um produto de qualidade, equipe, capacidade para enxergar uma necessidade do mercado, atender esse mercado, focar no cliente, investir nos funcionários. O segredo não é uma única coisa. Acho que o franchising é a forma mais segura e mais rentável de abrir um negócio próprio. Com toda essa turbulência, as redes de franchising estão crescendo 10% ao ano, em média.
Mas não existe uma característica pessoal que indica se a pessoa dá ou não para o negócio?
Primeiro, a pessoa tem que se identificar com aquele tipo de negócio. Segundo, ela precisa ter espírito empreendedor. Pode ser o melhor produto, a melhor marca, o conceito mais atraente. Ela não pode pensar que vai inaugurar uma loja e no dia seguinte vai fazer fila de clientes na porta, não acontece assim. Tem que promover, tem que buscar. Não adianta pensar que vai montar a loja, não vai aparecer lá e no final do mês só vai pegar o lucro. É barriga no balcão acompanhando o atendimento, o estoque, o serviço, o cliente, observando o que está precisando. Em terceiro lugar, é preciso ter uma reserva financeira. Nos primeiros meses, você vai gastar mais do que vai receber. Se não tiver fôlego financeiro, chega uma hora que não vai aguentar e o negócio vai fechar.
Hoje existem franquias de 1.000 a 1 milhão de reais. Como escolher?
Cada investidor tem uma capacidade de investimento, um apetite e uma disposição para o risco. Se a pessoa está capitalizada, vê uma oportunidade e resolve colocar 2 milhões de reais em um negócio é porque sabe que aquilo ali vai dar mais rentabilidade para do que deixar o dinheiro parado no banco.
Como foi a ideia de trazer a Taco Bell para o Brasil?
Meu filho Lincoln é um apaixonado pelo setor de alimentação. Toda vez que íamos aos Estados Unidos, Europa ou Ásia nos perguntávamos por que não havia uma Taco Bell no Brasil. Um dia a gente resolvei fazer essa pergunta para a empresa, lá nos Estados Unidos. Ouvimos que o Brasil não estava no plano de expansão, que tinha uma economia muito instável, que gerava preocupação e preferiam abrir em outros países. Falamos que as notícias que eles estavam vendo no noticiário não representavam a realidade do Brasil, que aqui o fast food cresce acima de 10% ao ano. Três meses depois meu filho retornou e apresentou um Brasil que dá certo, que o brasileiro gosta de ir ao shopping no fim de semana e fazer um lanche. Depois de três meses, eles disseram que topavam fazer um teste no Brasil e que podíamos apresentar um plano. Esperavam que a gente abrisse 5 lojinhas e pronto. Chegamos lá com um plano de abrir 100 lojas e os americanos arregalaram o olho.
Não foi um passo maior que a perna?
Primeiro, foi ousadia. Segundo, mostra nossa paixão pelo setor. E terceiro: capital, temos recursos. Cada loja sai 2 milhões de reais. Se abrir 10 lojas, são 20 milhões de reais. Um quarto elemento: nossa experiência em franchising. Nós já tínhamos 25, 30 anos de estrada. Tudo isso contou para finalmente a gente assinar o contrato. Hoje estamos abrindo uma loja a cada duas semanas.
A ousadia está valendo a pena? O retorno compensou?
Estamos faturando 20% acima do que prevíamos inicialmente. A ideia inicial era de que cada loja iria faturar de 250 mil a 300 mil reais, em média. Estamos acima desse faturamento. A loja mais rentável é a de Santo André, vende 50% a mais que a do Morumbi, que é a segunda colocada. Quando abrimos no shopping Center Norte pensávamos que lá iria estourar de vender. Toda noite, quando coloco minha cabeça no travesseiro, tento entender esse fenômeno da loja de Santo André.
Quais são os planos de expansão agora?
Vamos terminar o ano com 20 lojas próprias. A partir de 2018, vamos começar a franquear para outros estados do país.
Por que comprar a Mundo Verde depois de vender a Wizard?
Meu filho Charles é quem está à frente da operação Mundo Verde. Foi a primeira rede que adquirimos depois de termos vendido a Wizard. Naquela época, a empresa pertencia a um fundo de investimento. Um fundo, quando tem um negócio, tem uma porta de entrada, e uma porta de saída, normalmente no período de 5 anos. Eles estavam justamente nesse momento de passar a empresa para frente. Charles estava buscando uma oportunidade, começou a negociação e fizemos a aquisição da Mundo Verde. Pegamos a rede com 250 lojas e 2 anos depois ela conta com 400 unidades em operação.
O que impulsiona esse crescimento? É a preocupação com a vida saudável?
Ela tem vários públicos. Primeiro, temos as mulheres acima de 30 anos que estão preocupadas com a estética e beleza e vão buscar produtos de qualidade. Em segundo, há aqueles grupos com resistência à lactose, glúten, açúcar e querem produtos gostosos. Também há o público jovem, muito preocupado com fitness, que quer suplemento, barrinha, colágeno, uma série de produtos. E também há o pessoal da melhor idade, que quer 100% qualidade de vida. desconforto.
Como gerir empresas com focos tão distintos, como faz para não se perder?
Sou colecionar de pensamentos. Tenho um que diz assim: ‘ninguém jamais fez algo grandioso sozinho’. Todos que venceram foram capazes de criar equipes com profissionais competentes e comprometidos para alcançar um resultado comum. Em cada uma dessas empresa temos profissionais distintos focados somente naquele negócio. Um dia eu precisei fazer tudo, precisei chegar cedo, abrir a escola, preparar o cafezinho para o aluno, dar o cafezinho, dar aula, cobrar a mensalidade, receber a fatura, pagar as contas. Era a empresa do eu sozinho. À medida em que o negócio cresce você vai tendo que ser seletivo naquilo que faz e naquilo que não faz. Hoje, tem algumas coisas que simplesmente me recuso a fazer. Participo de reuniões de conselho, reuniões estratégicas, lançamentos de produtos, campanhas. Mas no operacional, não entro mais. Por outro lado, tenho preocupação de estar presente na loja.
O senhor se considera desapegado? Sofre quando vende uma empresa?
A empresa que eu deveria ter mais apego foi a primeira que criei. Na minha inocência, eu amava tanto, que chegue a colocar a marca no meu nome civil. Ela estava só começando, era uma startup. Se o negócio fosse o maior fracasso, já estava no meu nome. Era a empresa que mais que eu deveria ter me apegado, mas agi racionalmente e a vendi.
O senhor lançou o livro Do Zero ao Milhão. Saiu mesmo do zero ou já nasceu com milhões?
Sempre fui do zero. Quando comecei a dar aulas de inglês não tinha estrutura. Comecei na mesa da sala de casa, era eu e o aluno, um olhando para cara do outro. Foi a primeira vez que dei aula na vida. Daquele embrião é que surgiu a Wizard. Aluguei uma casa, tinha duas ou três salinhas onde eu dava aula e minha mulher, meus pais, meus filhos moravam na outra metade da casa. Esse é o maior homebusiness que já vi até hoje. O local era empreendimento, moradia, cozinha, tudo.
O que achou da reforma trabalhista?
As nossas leis trabalhistas são da década de 40, do tempo do Getúlio Vargas. Aquele mundo já não existe mais. Essa nova realidade, toda essa ordem econômica que todos nós estamos vivenciando hoje não são contempladas pelas leis atuais.
Esse atraso atrapalha a vida do empresário?
Não só atrapalha como deixa o Brasil em uma posição totalmente para trás. No ranking mundial nós estamos lá no final da lista. O investidor estrangeiro, quando vai abrir um negócio, ele tem o mapa do mundo, começa a analisar as economias locais, as legislações, as tributações. Aí vê que o Brasil não é competitivo. É preciso que comece [a reformar] agora e que continue, não termine aí.
Como a religião entrou na sua vida?
Quando eu tinha 12 anos, morava em Curitiba. Meus pais tinham 7 filhos e conheceram os missionários da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Começaram a seguir a igreja e aqueles jovens missionários colocaram um pensamento na minha cabeça: ‘um dia você vai crescer e ir lá para os EUA fazer faculdade no estado de Utah’. Meu pai era motorista de caminhão, minha mãe era costureira, tinham sete filhinhos para criar. Como eu poderia chegar lá? Mas consegui estudar lá, trabalhei no centro de idiomas da faculdade. Quando retornei ao Brasil, comecei a lecionar inglês, abri uma escola que virou a maior franquia do planeta, comprei outras escolas e formei o grupo Multi, vendido aos britânicos por 2 bilhões de reais. Se meu pai não tivesse conhecido os missionários, se nunca tivesse aprendido inglês e nunca tivesse ido para os EUA, o que estaria fazendo hoje? Não sei, mas a história aconteceu assim.
A igreja muda alguma coisa na sua rotina?
Independentemente de todo aspecto financeiro, sábado e domingo eu não trabalho, não aceito convite para fazer reunião, palestra, negociação. Trabalho de segunda a sexta-feira. Sábado é o dia que eu deixo para família. Domingo passo um tempo considerável na igreja. Cada membro da igreja mórmon tem uma função. A gente dá esse tempo sem remuneração financeira.