O resultado do primeiro turno das eleições de 2022 foi surpreendente para quem se baseou nas pesquisas eleitorais para prever o que sairia das urnas. Diferentemente do que foi apontado na maioria delas, o presidente Jair Bolsonaro teve 43,2% dos votos. A diferença, que chegava a dezoito pontos porcentuais no caso da pesquisa do Ipec/Globo, a que mais se distanciou do resultado, foi na verdade de cinco pontos. Em entrevista a VEJA, Marcelo Tokarski, sócio-diretor do Instituto FSB Pesquisa, explicou os possíveis motivos dessa distinção e as novas probabilidades para o segundo turno das eleições. O instituto conseguiu captar os votos em Lula ao prever 48% para ele – o resultado de ontem mostra que o ex-presidente teve 48,3% -, mas em sua última enquete antecipou 37% dos votos a Bolsonaro, marcando uma diferença de onze pontos percentuais entre os candidatos.
O resultado das eleições de ontem mostra uma forte onda bolsonarista. O que explica a diferença entre esse resultado e o que foi captado nas pesquisas?
A hipótese que trabalhamos é que a nossa pesquisa antecipou o Lula, mas aparentemente houve uma desidratação da terceira via na reta final e em tese esse eleitor migrou para o Bolsonaro. As pesquisas apontaram que Lula estava na frente e que o mais provável era ter segundo turno. De fato, houve. A surpresa foi essa votação maior do que estava previsto no Bolsonaro. Pode ser um movimento de última hora que pesquisas muitas vezes não conseguem captar. O Bolsonaro apareceu muito no Rio de Janeiro, em São Paulo, e perdeu menos do que as pesquisas estaduais feitas por outras instituições previam em Minas Gerais. Bolsonaro cresceu muito no Sudeste, o maior colégio eleitoral do país. Em São Paulo, por exemplo, o Tarcísio passou o Haddad na intenção de voto. As pesquisas pegaram ele crescendo na reta final mas nenhuma dela captou ele na frente. Isso também aconteceu um pouco no Rio de Janeiro.
Esse movimento pode ser consequência para as pesquisas eleitorais?
É muito difícil dizer, mas uma hipótese é que isso seja uma reação à campanha de voto útil do PT. Ou seja, o eleitor não ia votar, mas votou logo no Bolsonaro, já que não ia ter segundo turno depois. Os dois tiveram quase 91,6% dos votos válidos. Estivemos muito perto de não ter um segundo turno ontem. A terceira via teria definhado tanto que o eleitor poderia ter antecipado o segundo turno, 92% de votos em dois líderes é muita coisa. Em 2018, em termos de votos válidos, Haddad e Bolsonaro tiveram 75%. Em 2014, Dilma e Aécio, que foi uma eleição muito polarizada, tiveram 75%. Já a Dilma e o Serra tiveram 85%. O mais próximo destas eleições foi a disputa entre Lula e Alckmin em 2006, que chegou a 90,2% dos votos válidos. À exceção da eleição de Fernando Henrique Cardoso, essas eleições tiveram a mais alta soma entre a porcentagem de votos aos dois líderes. Se a eleição tivesse demorado um pouco mais, teríamos tido um segundo turno ontem mesmo.
Quantos votos Bolsonaro e Lula precisam ter para vencer o segundo turno das eleições?
Não tem muito como fazer uma projeção nesse sentido. Se pegarmos os votos válidos, teríamos 118.226.172 milhões de votos. Se dividirmos por dois e somarmos mais um, teríamos algo como 59.115 milhões de votos, ou seja, um pouco mais da metade de quem foi votar no primeiro turno. Mas não podemos afirmar isso porque podemos ter eleitores que foram votar no primeiro turno e não vão no segundo. Em 2018, a abstenção no segundo turno foi maior que no primeiro, ou seja, 3% a mais do eleitorado que votou no primeiro turno não foi votar no segundo. De quem eram esses candidatos, do Bolsonaro ou do Haddad? Se isso acontecer em 2022, significaria que mais 4 milhões e meio de pessoas deixariam de votar no segundo turno, e precisaríamos saber de quem seriam esses eleitores, do Lula ou do Bolsonaro. Tudo isso influencia no resultado das eleições e é muito difícil antecipar, são projeções hipotéticas.
Existe uma chance maior de abstenção em determinados estados no segundo turno?
Nos estados onde não tem segundo turno para outra disputa, o eleitor fica menos motivado a votar. Por isso que no segundo turno a abstenção tende a ser maior. Na eleição passada, a abstenção cresceu em todos as unidades da federação. Teve estado que foi 8% e outro que foi 0,2%. No Acre, cresceu de 19% para 27%, e não teve segundo turno para outros candidatos. No Rio de Janeiro e em Minas Gerais, por exemplo, a pessoa vai sair de casa só para votar para presidente, então, em tese, o eleitor que não está muito mobilizado para votar em Lula ou em Bolsonaro pode não ir votar. É o que a história mostra pra gente, mas não podemos dizer se isso vai acontecer de novo.
Como foi essa divisão por regiões do Brasil?
A abstenção em 2018 do primeiro para o segundo turno cresceu de 21% para 22,3% no Centro-Oeste, cresceu de 18,8% para 19,9% no Nordeste, cresceu de 19,7% para 23,2% no Norte, de 22% para 22,5% no Sudeste e de 17,3% para 17,8% no Sul. E mesmo onde tinha segundo turno para outro candidato, por exemplo, no Amapá, ela cresceu de 16,7% para 22,9%.
Como esses dados podem influenciar no segundo turno dessas eleições?
O eleitor convicto que ficou com o Ciro até o fim e ainda não quer votar nem em Lula nem em Bolsonaro, se ele é mineiro ele não vai votar, porque em vez de ir para anular o voto ele prefere justificar, porque é fácil e a multa é pequena. Saber quanto o Bolsonaro vai precisar de votos depende muito da abstenção. No primeiro turno a abstenção foi de 20,8%, ou seja, 32 milhões de pessoas não foram votar, e na última foi 20,3%. Se tiver mais 3 pontos percentuais de eleitores que não vão votar, são mais de 6 milhões de votos.
Como isso pode definir as próximas estratégias das campanhas de Lula e de Bolsonaro?
A batalha vai continuar se dando no Sudeste, onde Bolsonaro cresceu na reta final e apareceu na frente do Lula. Ele perdeu em Minas Gerais, mas ganhou no Espírito Santo, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ele vai tentar ampliar essa vantagem no Sudeste, que é o maior colégio eleitoral do país, e acho que vai tentar no Nordeste para tentar encurtar a diferença com o Lula. O Lula teve 6 milhões de votos a mais que o Bolsonaro. Ao mesmo tempo, foram 9 milhões de pessoas que votaram em outros candidatos. Se o Lula tiver a mesma votação e ganhar mais 2 milhões de votos, em tese, ele ficaria eleito. Então, o Bolsonaro tem de tentar ser o mais bem votado possível entre os eleitores dos outros candidatos e tem de tentar desgastar o Lula. E em uma eleição de segundo turno o confronto é direto. Ao tirar o voto de um adversário, se reduz a diferença em dobro, porque tira do outro e traz para si. Então, acho que a estratégia do Bolsonaro é focar muito no Sudeste e desgastar bastante a imagem do Lula. E o Lula vai ter o desafio de tentar manter os votos dele, o que já o faz largar numa vantagem, mas vai precisar crescer alguma coisa também. No Nordeste, tem pouco espaço para crescer, porque ele já tem dois terços dos votos de lá. Ele vai tentar crescer no Sudeste, que é um colégio eleitoral grande. O Sudeste vai ser decisivo.
E quais alianças os candidatos terão de fazer com cada estado?
Mas essa coisa das alianças para eleições presidenciais não são certas, porque muitas vezes o eleitor está meio alheio a isso. Não é porque o candidato que o eleitor votou no primeiro turno manifesta apoio que o voto vai automaticamente migrar. O que interessa é saber o nível de rejeição a Lula e a Bolsonaro entre os eleitores de Tebet e Ciro. Isso que vai dar as primeiras pistas do que vai acontecer, porque vai mostrar o potencial de crescimento que cada um pode ter entre os eleitores do Ciro Gomes e da Simone Tebet, e dos eleitores que não querem votar em nenhum dos dois. Temos visto isso pelas pesquisas anteriores, mas depois da onda bolsonarista que houve na reta final do primeiro turno, temos de olhar com cuidado. Em tese, é muito difícil um dos dois candidatos largar com menos voto do que já teve. Isso só aconteceu com o Alckmin em 2006. Historicamente, os votos só crescem e se continuar assim, o Lula se favorece porque ele precisa crescer menos, enquanto Bolsonaro precisa crescer quase 7 pontos para chegar na metade do eleitorado. Por isso, na minha avaliação, a estratégia do Bolsonaro vai ser tentar desgastar o Lula.