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Os danos da insegurança jurídica para o Brasil

Falta de nitidez sobre direitos e deveres e alterações em leis atrapalham a competitividade. Apenas ambiente de negócios estável pode atrair investimentos

Por Robson Braga de Andrade, empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
Atualizado em 14 set 2018, 18h31 - Publicado em 14 set 2018, 18h26
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  • “No Brasil, até o passado é incerto.” Essa frase atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan se aplica bem à insegurança jurídica do país atualmente. O ambiente econômico, institucional e social está cada vez mais corroído pelas incertezas que rondam a aplicação de leis e normas, deixando em dúvida o entendimento não só do futuro, mas do presente e até mesmo do passado. Esse problema, que permeia a tributação, as relações de trabalho, a regulação da infraestrutura e a atividade de empreender, tem um alto custo para o país, ainda não devidamente dimensionado.

    A falta de nitidez em relação a direitos e deveres das empresas, além das constantes alterações em leis e marcos regulatórios, mina a competitividade da economia, o que causa prejuízos às empresas, aos trabalhadores e à nação como um todo. Num panorama de incerteza quanto à estabilidade dos negócios e à validade de contratos, investimentos são cancelados, projetos, engavetados, vagas de trabalho deixam de ser criadas e a retomada do desenvolvimento econômico e social é adiada.

    Nossos legisladores aprovam leis cujo texto não tem a clareza necessária e, muitas vezes, não contam com base constitucional. As regras são modificadas sem a verificação do impacto econômico dessas alterações e sem que se estabeleça um regime de transição, indispensável para que empresas e contribuintes façam as adaptações exigidas. Há uma produção exagerada de leis, códigos, medidas provisórias, regulamentos, decretos e outras regras que se amontoam diante dos cidadãos e das empresas. Muitas são sobrepostas e tratam dos mesmos assuntos. Para se ter uma ideia, levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) revela que a quantidade de normas editadas no Brasil aumentou de 3,3 milhões em 2003 para 5,7 milhões em 2017 – um acréscimo de 73%.

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    Considerado o principal guardião da estabilidade da legislação, promotor da pacificação social e garantidor da ordem, o Poder Judiciário tem se tornado um fator de insegurança jurídica, ao questionar leis aprovadas pelo Congresso Nacional. Julgamentos díspares em casos similares, interpretações erradas, mudanças bruscas de entendimento, morosidade e o excesso de processos pioram o quadro. Em muitos casos, as sentenças são aleatórias, arbitrárias ou mostram a preferência do magistrado. Em muitas decisões, o interesse de burocratas e governantes se sobrepõe aos direitos dos indivíduos e das empresas.

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    Isso acontece principalmente em áreas como meio ambiente, direito do consumidor e regulação de serviços públicos, além de questões nos campos trabalhista, previdenciário e tributário. Como disse recentemente o professor de direito da Fundação Getulio Vargas Joaquim Falcão, o mais preocupante é que nem mesmo o Supremo Tribunal Federal tem sido capaz de impedir incertezas jurídicas. “Pelo contrário, muitas vezes o STF as suscita, com a procrastinação de decisões ou a revisão de entendimentos”, diz o jurista.

    Um aspecto mais amplo da insegurança jurídica diz respeito à burocracia e à qualidade da governança. No Brasil, a efetivação do princípio da independência e harmonia entre os poderes deixa a desejar, seja pela exacerbação de uns sobre os outros, seja pela resistência a decisões legítimas tomadas por um deles. Os conflitos se mostram também na sobreposição de funções entre órgãos de um mesmo poder ou entre a União e os demais entes da Federação. Em algumas áreas, como a ambiental e a tributária, existem pontos de atrito nos quais não se sabe ao certo quem toma conta do quê.

    O gigantismo e a ineficiência política e administrativa do Estado brasileiro, além do crônico desequilíbrio fiscal, colaboram com a cristalização de um ambiente hostil ao empreendedorismo e à atração de investimentos. Ademais, o atual modelo de gestão e de governança do Estado não produz as transformações necessárias para o avanço da competitividade. É preciso criar mecanismos de coordenação e alinhamento das estratégias e objetivos de médio e longo prazo. E ter uma definição clara de prioridades e responsabilidades para que se possam gerir as agendas entre vários órgãos e agências do governo para obter resultados.

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    O que não se pode perder de vista é que tudo só funciona bem na base da confiança, um dos fundamentos básicos da vida em sociedade. Apenas assim casamentos duram, amizades funcionam, economias crescem e nações progridem. É preciso conhecer o terreno em que se pisa, pois ninguém se sente tranquilo para aplicar recursos em um banco que não tem histórico de solidez ou em títulos do Tesouro Nacional de um país sem credibilidade no mercado. Empresas deixam de fazer investimentos produtivos em locais com regras que mudam constantemente ou onde possa haver rompimento de contratos, interpretação controversa das leis ou incompreensão sobre as funções de cada órgão governamental.

    Poder antecipar as consequências de atos legítimos para evitar surpresas desagradáveis é um pré-requisito do Estado democrático de direito. Além disso, a existência de um ambiente institucional estável é condição sine qua non para a confiança na economia de um país, o que estimula investimentos, aumento da produção e, em última análise, crescimento econômico. Como fonte primária das normas, o Estado, no exercício dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, deve garantir a segurança jurídica. É preciso elaborar as leis, aplicá-las e interpretá-las com transparência, arbitrando e solucionando conflitos. Em especial, no modelo constitucional brasileiro, que dá papel de destaque a órgãos de controle, como Ministério Público e Tribunais de Contas. Isso é essencial para a consolidação da democracia, o combate à corrupção e o bom funcionamento das instituições.

    Porém, a fiscalização não pode se transformar em mais uma fonte de instabilidade. Esse efeito pode decorrer da ingerência em políticas públicas e da imprecisão nas atribuições de instâncias fiscalizadoras, o que deixa as empresas expostas a diversas orientações contraditórias e sujeitas a múltiplas responsabilizações. Monitoramentos malfeitos e mal dimensionados de setores da economia por agências reguladoras também travam investimentos e atrapalham a competitividade da economia nacional.

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    Nos últimos anos, a prática de decidir com ênfase em súmulas, precedentes vinculantes e jurisprudência firmada é um avanço em direção à coerência que precisa ser alcançada. Esse modelo previne diferenças na aplicação das normas e aumenta a rapidez na prestação jurisdicional, importante para reduzir os custos e as incertezas nos litígios.

    A ação declaratória de constitucionalidade, usada para evitar que a aplicação de uma lei seja prejudicada por decisões conflitantes sobre sua validade, é um instrumento precioso. O STF precisa ser mais ágil na apreciação desses processos, estabelecendo a decisão que deve ser seguida pelas instâncias inferiores. O exemplo deve vir sempre de cima: o STF, os tribunais superiores e as demais cortes precisam evitar a criação de exceções ou alterações nas orientações. Mas, na direção contrária, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) contribuiu para a formação de um cenário negativo ao anunciar que vai rever seus enunciados, causando dúvidas quanto à nova legislação trabalhista. Apesar disso, existem movimentos bem-vindos. O plenário do STF destacou recentemente, por exemplo, que um dos seus papéis é “dar unidade ao direito e estabilidade aos seus precedentes, sendo excepcional a revisão dos entendimentos já firmados”.

    A recente confirmação do fim do imposto sindical pode ser considerada um avanço nesse sentido, ao corroborar o fato de que, apenas seis meses após o início da vigência da reforma trabalhista, o número de processos na Justiça brasileira caiu cerca de 40%. Esse avanço, porém, ainda é tímido, como demonstram estatísticas que colocam o Brasil na lanterna em um ranking elaborado pela CNI que compara 18 países em termos de segurança jurídica, burocracia e relações de trabalho.

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    De forma geral, a insegurança jurídica eleva os custos das empresas e as obriga a reservar recursos para cobrir prejuízos causados por incertezas. Viabilizar um ambiente de negócios estável e baseado na confiança mútua entre os agentes que nele atuam é fundamental para estimular empreendedores e atrair investimentos. O aperfeiçoamento do panorama jurídico no país é tema de um dos 43 estudos que a CNI tem apresentado aos candidatos à Presidência da República nas eleições deste ano. Partimos da premissa de que um firme compromisso do próximo ocupante do Palácio do Planalto com a segurança jurídica do país será crucial para que a economia brasileira alcance seu pleno potencial de crescimento, propiciando progresso e justiça social para todos os brasileiros.

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