A segunda-feira, 16, foi marcada por tensão nos corredores da sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp. Se, pela manhã, o presidente da entidade, Josué Gomes, convocou aliados para um encontro com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin, a tarde ficou marcada pela realização da assembleia que poderia destituí-lo da posição de liderança de uma das principais federações a pautar os interesses do país. A demonstração de força, no entanto, não surtiu efeito. Gomes foi derrotado em duas longas assembleias e será deposto da presidência da Fiesp — ele deve procurar a Justiça para tentar reverter a decisão.
O estresse que culminou na derrocada de Gomes começou por volta de outubro de 2022, quando empresários — líderes de alguns sindicatos da indústria que compõem a Fiesp — iniciaram um levante contra o presidente da entidade, alegando sua “ausência” como gestor. Ao assumir a entidade em janeiro de 2022, Gomes propôs delegar mais poder aos seus diretores e conselheiros por meio de um comando técnico, que não levou em consideração os interesses de diversos sindicatos do chamado “baixo clero” da entidade. Foi, portanto, um choque de gestão em relação ao seu antecessor e padrinho na eleição, Paulo Skaf, que foi presidente da Fiesp de 2004 a 2021. “O Skaf, quando foi eleito pela primeira vez, atraiu o baixo claro, que são os sindicatos mais simples, com promessas de cargos e maior representatividade. Ele sempre teve um interesse político”, afirma um representante da indústria. “O Josué, por sua vez, é um mega empresário e um cara ocupadíssimo, que não ficou puxando o ‘saco’ de ninguém nem atendendo a pedido de presidentes de sindicatos.”
O estopim foi quando a entidade endossou e promoveu uma carta em defesa da democracia às vésperas do primeiro turno das eleições. Assinada por diversos nomes relevantes do PIB do país e tendo como alvo indireto o então presidente Jair Bolsonaro, o manifesto irritou profundamente uma ala contrária a Gomes, que é filho do ex-vice-presidente de Lula, José Alencar (1931-2011). Depois de tentarem por algumas vezes promover uma assembleia para discutir discordâncias em relação à gestão de Gomes, as lideranças dos sindicatos conseguiram colocar a reunião em pauta. A pedido de Gomes, que estava fora do país em dezembro, o encontro para discutir o futuro da entidade ficou marcado para 16 de janeiro.
Em uma carta entregue a Gomes, os empresários separaram a reclamação por 12 diferentes tópicos. O presidente da entidade, portanto, fez questão de apresentar sua defesa para cada crítica, o que irritou seus dissidentes. Em um longo texto introdutório, Gomes discursou sobre a economia e a situação do país. A assembleia, que teve início às 14h30, foi tensa e, por vezes, empresários na plateia fizeram questão de pedir a palavra, interrompendo a fala de seu líder. Um momento de maior tensão veio quando um dos participantes perguntou ao presidente se a assembleia estaria sendo filmada. Gomes respondeu que sim e justificou que, dessa forma, passaria mais “transparência” ao processo. Diante das reclamações, o tema foi à votação e marcou uma primeira derrota de Gomes ainda no fim da tarde.
Depois de terminar sua defesa, a assembleia passou a ouvir os signatários com direito ao voto na entidade. Algumas pessoas criticaram o processo e pediram união e busca por ‘entendimento’ entre os representantes da indústria, mas a maioria se manifestou de forma contrária ao presidente, alegando que Gomes havia desrespeitado trechos do estatuto da federação. “Depois de muito tempo, pediu-se que ele abrisse, então, a votação para destituição dele ou não. Ele se negou. Disse que não iria fazer”, conta um empresário que estava presente, mas prefere não se identificar. Foi aberta uma votação para decidir se as justificativas apresentadas pelo presidente seriam aceitas pelos integrantes da entidade. Mais de 60 pessoas votaram “não”, enquanto pouco menos da metade disso disseram ter aceito as desculpas.
Com a derrota na assembleia, Gomes se levantou e decidiu deixar o local, por volta das 19h. Iniciou-se, então, uma segunda assembleia, para votar, de fato, a deposição de Gomes do comando da entidade. A sessão foi comandada pelo diretor e vice-presidente da Fiesp, Paulo Henrique Schoueri. “Como o Josué se recusou a ficar, a assembleia nomeou um presidente para essa assembleia acontecer, levando em consideração que ele já tinha apresentado sua defesa e que os argumentos, inclusive, não tinham sido considerados relevantes pela maioria dos presentes”, afirma esse empresário.
Sob a tese de que Gomes, enquanto presidente da Fiesp, infringiu dois incisos do artigo 27 do estatuto da federação, decidiu-se pela sua destituição — os incisos usados para justificar a retirada do presidente falam em “grave violação do estatuto” e “conduta incompatível com a ética, dignidade e decoro do cargo”. A derrota na votação que selou o impeachment foi em larga escala. Foram 47 votos a favor da retirada de Gomes do comando da instituição, enquanto dois votaram em sua defesa e um se absteve. Aliados de Gomes afirmam que a decisão não tem respaldo jurídico e de que o presidente deposto irá recorrer. Sua derrota, inclusive, também impõe um revés a Lula, que via como importante ter o apoio do presidente da Fiesp.
Agora, pelo estatuto da entidade, o vice-presidente mais velho deve assumir o comando da instituição até que se tenha uma nova eleição. É provável que o sucessor de Gomes seja um dos nomes que compõem a vice-presidência da Fiesp atualmente. Por ordem, o primeiro vice-presidente é Rafael Cervone, que também responde pela presidência do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), seguido por Dan Ioschpe e por Marcelo Campos Ometto.