O que muda na renda fixa com a alta da taxa Selic
Mesmo com alta inflação, Banco Central opta por política monetária estimulativa e a poupança e o CDI ficam longe de uma rentabilidade interessante
Quando a Selic atingiu os 2% ao ano, em 2020, os investidores tiveram motivos de sobra para sair da poupança e do CDI para buscar ativos mais arriscados, porém mais rentáveis. Desde o ano passado, o Comitê de Política Monetária veio informando em seus comunicados que, caso as reformas não avançassem no país de forma à equilibrar as contas públicas, os estímulos monetários teriam de diminuir e o Copom teria de aumentar gradualmente a Selic. E, em março de 2021, isso começou a acontecer. Porém, as duas altas ocorridas até agora — a última na quarta-feira, 5 — que levaram a Selic ao patamar de 3,50% ao ano não devem provocar uma corrida desenfreada aos investimentos de renda fixa, porque a rentabilidade continua sem atratividade.
Ainda que a Selic já tenha aumentado 1,50 ponto percentual desde o começo do ano e tenha perspectivas de crescer, segundo o comunicado do Copom, investimentos em renda fixa impactados diretamente pela Selic, como poupança e CDI, possuem rentabilidades pouco interessantes quando considerada a inflação. Com a Selic a 3,50% ao ano, a rentabilidade da poupança passou a ser de 0,20% ao mês e de 2,45% ao ano, porém, a inflação acumulada em 12 meses em 6,17% anula todos esses ganhos.
“Todo o investimento de um ano é corroído pela inflação e tanto a poupança quanto o CDI teriam retornos negativos”, diz Gustavo Sung, economista sênior da Suno Research. O Banco Central calcula que a taxa de juros neutra, ou seja, que equilibra os rendimentos com a inflação de forma a não estimular e nem aquecer a economia está em torno de 6,5%. Ou seja: em tese, só passa a valer a pena investir em poupança e CDI se a Selic estivesse a partir de 6,5% ao ano, o que está longe de acontecer.
Tanto no Brasil quanto no mundo, os bancos centrais estão optando por políticas monetárias estimulativas com uma certa tolerância à inflação em benefício do crescimento econômico. “O Federal Reserve tem sido muito vocal nisso e no Brasil deveria ser assim. Mesmo que a inflação suba, não acho que o juro real vai ficar muito alto no pós fixado”, diz Felipe Miranda, CIO e estrategista-chefe da Empiricus. “Estamos mudando um pouco a dinâmica global, vindo de um mundo que foi de inflação muito baixa, baixo crescimento e baixa taxa de juros para um mundo que cresce mais e com mais inflação”, diz ele.
Mesmo que a atual Selic prejudique os investimentos como poupança e CDI, Miranda chama a atenção para alguns investimentos em renda fixa como os títulos Nota do Tesouro Nacional-Série B (NTN-B), pós-fixados cujas rentabilidades variam conforme o IPCA, e as debêntures incentivadas da Vale. “Não tenho dúvida que há uma vasta gama de oportunidades na renda fixa”, diz ele.
Vale lembrar que, mesmo com a poupança tendo rendimentos negativos contabilizando a inflação, esta alternativa é importante para reserva de emergência com liquidez imediata. O tamanho dessa reserva ideal varia conforme o patrimônio da pessoa e a aversão ao risco e é recomendada por de 3 a 12 meses dos gastos pessoais mensais. “Para pessoas mais arrojadas e dispostas a risco, o ideal é três meses de reserva. Já quem está em processo de construção de patrimônio mais avesso ao risco são 12 meses”, diz ele.
Roberto Indech, estrategista-chefe da Clear Corretora, em linha com praticamente 99% do mercado, concorda que a alta da Selic não mudou nada a tese de investimento uma vez que o próprio mercado já esperava que ela subirá para entre 5% e 6% ao ano até o final de 2021, portanto, já havia precificado esta alta. Porém, para diversificação da carteira, algumas novas oportunidades podem surgir. “CRIs [Certificado de Recebíveis Imobiliários] e CRAs [Certificado de Recebíveis do Agronegócio] que trazem retorno de 4% ou 4,5% ao ano mais o CDI podem ser interessantes, mas não considerando 2021. Considerando 2022 porque esses ativos não tem vencimento curto, mas uma perspectiva de que o dinheiro vai ficar preso por cerca de um a cinco anos. Eles têm oportunidades melhores porque são isentos para Imposto de Renda”, diz Indech.