Em dezembro do ano passado, a chinesa BYD, uma das maiores fabricantes de carros elétricos do mundo, chegou pela primeira vez à lista das dez marcas de automóveis mais vendidas no Brasil, de acordo com a Fenabrave, federação que reúne as concessionárias. A empresa colocou no mercado, naquele mês, 5 500 carros elétricos e híbridos — exatamente um ano antes sua venda mal chegara a 100 unidades. A ascensão da novata ajuda a explicar os investimentos bilionários que as montadoras vêm anunciando no país. Nas contas da Anfavea, associação dos fabricantes de veículos, já são ao menos 100 bilhões de reais encomendados para os próximos anos. “É o nosso maior ciclo de investimentos de todos os tempos, e ainda há outros anúncios por vir”, diz o presidente da Anfavea, Márcio Leite. GM, Hyundai, Nissan, Renault, Stellantis, Toyota e Volkswagen integram a lista das que divulgaram aportes do meio do ano passado para cá, além da BYD e da também chinesa Great Wall Motors (GWM), que estão fazendo suas primeiras fábricas de carros elétricos no Brasil.
Ao contrário de ciclos anteriores de investimentos, o foco atual não está na expansão da produção. Na verdade, isso não faria sentido — as fábricas estão ociosas e sofrem para retomar os níveis de 2013. Desta vez, o grosso do dinheiro irá para o desenvolvimento de produtos, com grande parte dos recursos sendo destinada a preparar o lançamento de veículos híbridos e 100% elétricos. “Virou uma corrida do ouro para ter eletrificados no portfólio”, diz Ricardo Bacellar, consultor especializado na indústria automotiva. “Quem não tiver vai perder espaço.” Um dos casos mais surpreendentes é o da ítalo-franco-americana Stellantis, que planeja trazer quarenta carros para o mercado brasileiro, introduzir tecnologias e desenvolver motorizações híbridas e elétricas.
O universo dos eletrificados inclui os veículos 100% elétricos, movidos só a bateria, e os híbridos, em que uma bateria menor auxilia o motor a combustão. Atualmente, apenas Toyota e Caoa montam híbridos no Brasil, e nenhuma produz o 100% elétrico. O mercado funciona com importações. O avanço impressiona: só em 2023, as vendas de elétricos e híbridos cresceram 91%, para um total de 93 900 unidades, de acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). “Chegamos a 5% do mercado, o que, pela experiência dos outros países, é o ponto de não mais retorno”, diz o presidente da ABVE, Ricardo Bastos. “As pessoas começam a ver, conhecer e querer o carro.”
Os empurrões do governo ajudaram a destravar os investimentos. Até a virada do ano o imposto de importação sobre veículos elétricos estava zerado — em 2024, volta a ser cobrado gradualmente. Além disso, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, anunciou o programa Mover, que dá créditos tributários para fabricantes que investirem em pesquisa. As vantagens do veículo elétrico são evidentes. Além de menos poluentes que os pares a gasolina, eles reduzem os custos de manutenção — não precisam de troca de óleo, a eletricidade ajuda a poupar os freios e o motor tem menos peças a repor. O abastecimento também sai mais em conta. “Se um motorista rodar 100 quilômetros com gasolina, ele vai gastar 50 reais, e, no elétrico, o custo pode cair até a 10 reais”, diz Murilo Briganti, diretor da consultoria especializada Bright.
Ainda assim, persistem pontos de interrogação. A baixa duração das baterias, uma das peças mais importantes dos eletrificados, é um problema no mercado de segunda mão — tanto é assim que os donos de elétricos têm encontrado dificuldade para vender os carros usados. No Brasil, outra barreira é o preço. A maioria dos elétricos custa mais que 200 000 reais, embora a BYD tenha lançado recentemente um modelo a 115 000 reais, o Dolphin Mini. De todo modo, é pelos híbridos que as fabricantes planejam inaugurar sua produção de eletrificados no país, apostando inclusive no flex, o clássico motor brasileiro movido a gasolina e etanol. Quem diria: nessa corrida da eletrificação, o Brasil tem bons exemplos a oferecer para o mundo.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2024, edição nº 2884