Durante os últimos quinze anos, o investidor que estivesse disposto a colocar o seu dinheiro em ações de empresas de tecnologia listadas na bolsa de valores brasileira, a B3, teria opções bastante limitadas. Se quisesse apostar em hardware, havia a fabricante paranaense de computadores Positivo e a de terminais de vendas para o varejo Bematech. Se preferisse software, havia a Totvs, a Linx e a Sinqia. E era só. Quando, em 2015, a Bematech foi comprada pela Totvs, as opções ficaram ainda mais escassas.
Ninguém esperava que a B3 rivalizasse com a Nasdaq, casa de colossos tecnológicos como Apple, Microsoft, Amazon, Google, Tesla e Facebook. Mas, ainda assim, se tratava de uma representação decepcionante num mundo em que a economia fica cada vez mais digital. “Quando entramos na bolsa, não existia conhecimento de tecnologia, as pessoas não sabiam o que a empresa fazia e qual era a sua proposta de valor”, recorda Dennis Herszkowicz, CEO da Totvs, companhia fundada na Zona Norte de São Paulo que inaugurou as aberturas de capital do setor tecnológico em 2006 e deu início a um movimento modesto que durou até 2013. “Hoje acontece o contrário. Quando as pessoas não entendem muito bem o que uma empresa de tecnologia faz, parece que se sentem ainda mais atraídas e acham que estão diante de uma boa oportunidade”, compara.
No mundo dos investimentos, esse sentimento é traduzido pela expressão em inglês fear of missing out (FOMO), ou seja “medo de ficar de fora”. E pode ser exatamente isso que está acontecendo no momento na B3. Com a Covid-19 e o isolamento social, os negócios digitais explodiram em todo o mundo, e os investidores começaram a olhar com mais apetite para as ações de empresas de tecnologia. No Brasil, a empresa de hospedagem de sites Locaweb foi a primeira a navegar em novas águas, ao abrir o seu capital já em fevereiro de 2020. O resultado foi uma das maiores valorizações do ano. Desde o IPO, os papéis subiram 577%.
Tal performance em tempos tão inusuais estimulou outras empresas a aproveitar o momento no segundo semestre. Entre novembro e dezembro, Méliuz, Enjoei e Neogrid chegaram à bolsa com sucesso. A primeira delas, por exemplo, alcançou valorização de 183%. Uma nova onda se repetiu nas últimas semanas e mais quatro empresas chegaram: Mosaico, Mobly, Bemobi e Westwing — essa última estreou na quinta-feira 11. Resultado: em um ano, a presença da tecnologia na B3 triplicou, de quatro empresas para doze. Os investidores se provaram muito receptivos a elas (veja o quadro). O valor das ações da Mosaico, dona dos sites de comparação de preços Buscapé, Zoom e Bondfaro, chegou a quase dobrar em seu primeiro dia de operação. Na fila do IPO, ainda estão a empresa de software de recursos humanos LG Lugar de Gente, a plataforma de vendas Privalia e o e-commerce de vinhos W2W.
Tamanho interesse pelas companhias brasileiras de tecnologia tem sido interpretado como uma tentativa de replicar aqui o que aconteceu com as ações das chamadas big techs nos Estados Unidos. Foram elas que puxaram a rápida recuperação das bolsas americanas após a eclosão da pandemia. A Nasdaq já opera há um semestre em recordes de alta histórica, um fenômeno que levou a Apple a se tornar a primeira empresa a valer mais de 2 trilhões de dólares.
Alguns analistas do mercado, porém, se receiam da possibilidade de haver uma bolha nessa exuberante alta. Hoje, as big techs americanas valem mais que grandes bancos e precisarão manter um crescimento forte para justificar tais expectativas. A desconfiança também paira sobre o mercado brasileiro, ainda que com menor intensidade, principalmente porque aqui as companhias de tecnologia ainda engatinham quando comparadas às maiores representantes do índice Ibovespa.
De qualquer forma, a tendência de digitalização e de diversificação da B3 merece ser celebrada. Não por coincidência, em meio à nova onda de IPOs de tecnologia, novos setores que prometem grande evolução, como o do agronegócio, também crescem em representatividade no mercado de capitais. “O movimento parece ser muito mais um rebalanceamento de portfólios que uma grande onda exclusivamente de empresas de tecnologia”, diz Gilson Finkelsztain, presidente da B3. “As carteiras de investimento no Brasil sempre foram de setores tradicionais da economia, como commodities, finanças, indústria e um pouco do varejo”, avalia. Com o crescimento dos investidores no ano passado e novas empresas techno na bolsa, esse perfil está mudando.
Publicado em VEJA de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726