Pela primeira vez na história, em 2023, os fundos de investimento que se enquadram na categoria ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança) registraram mais saídas do que entradas de capital nos Estados Unidos. O saldo ficou negativo em 13 bilhões de dólares, o que é resultado sobretudo da debandada de cotistas iniciada em meados do ano anterior. Para efeito de comparação, o mercado geral de fundos, sempre considerando dados americanos, encerrou o ano passado com desempenho positivo de 79 bilhões de dólares, segundo relatório da consultoria Morningstar.
Os lançamentos de fundos ESG também estão em declínio. Foram 66 no ano passado, quase a metade da máxima histórica, em 2021, quando surgiram 116 ativos desse tipo. Em 2024, o movimento prossegue. No primeiro trimestre do ano, 8,8 bilhões de dólares foram retirados de fundos sustentáveis dos Estados Unidos — trata-se do maior volume de todos os tempos. Como se não bastasse, nos últimos doze meses a cotação média dos papéis de 100 grandes empresas de energia limpa derreteu 25% nas bolsas dos Estados Unidos, segundo a agência de risco S&P.
Por que os investidores estão desanimados com os ativos verdes? Diversos fatores explicam o movimento, mas não foram apenas razões econômicas que levaram a esse cenário. A política que acabou prevalecendo. Para uma ala de radicais, a preservação do meio ambiente se contrapõe à prosperidade econômica, como se as duas coisas fossem excludentes. Por essa lógica enviesada, portanto, a agenda sustentável não deveria ser estimulada. Basta dar uma espiada na pauta política dos Estados Unidos para entender que o movimento contrário à onda ESG é crescente.
Nos últimos três anos, cerca de 300 projetos de lei que limitam investimentos verdes foram propostos por republicanos em 38 estados americanos, segundo levantamento feito pela consultoria de risco Pleiades Strategy. E isso mesmo diante das evidências inquestionáveis dos estragos provocados pelas mudanças climáticas — a calamidade no Rio Grande do Sul está aí para provar isso.
Com a agenda ESG sob ataque, prejuízos começaram a aparecer. A maior gestora do mundo, a americana BlackRock, perdeu 4 bilhões de dólares com seus investimentos verdes, conforme informado pelo presidente da companhia, Larry Fink. “Não uso mais a palavra ESG, porque ela foi totalmente instrumentalizada como arma”, disse Fink. Não à toa, a sigla ficou de fora da última carta anual endereçada a investidores da BlackRock. Para ter ideia, apenas três anos antes o executivo citou o termo 26 vezes no documento, o que lhe rendeu o status de principal defensor da sustentabilidade no mercado financeiro. “A estratégia que muitos gestores estão utilizando para lidar com isso é continuar fazendo exatamente o que faziam antes, mas sem alarde”, diz Fabio Alperowitch, sócio-fundador da Fama, casa voltada a investimentos sustentáveis no Brasil. Ele conta que um colega responsável por fundos nos Estados Unidos retirou todas as menções a ESG de seu site, mas segue com investimentos na área.
Na bolsa americana, o refluxo de investimentos verdes culminou no surgimento de produtos inusitados, para dizer o mínimo: os fundos explicitamente anti-ESG. Eles reúnem papéis de empresas que vendem artigos danosos à sociedade e ao meio ambiente, como tabaco, bebidas alcoólicas, jogos de azar e petróleo. A Morningstar contabilizou 27 fundos com essas características operando atualmente nos Estados Unidos, com aproximadamente 2 bilhões de dólares sob gestão. A cifra é pequena quando comparada ao mercado de ativos ESG, mas chama a atenção pela trajetória ascendente. Entre os anos de 2022 e 2023, os fundos anti-ESG dispararam de modo a multiplicar seu patrimônio sete vezes.
Felizmente, a forte pressão política sofrida por iniciativas ESG se restringe — pelo menos por enquanto — ao território americano. Por mais que o mercado europeu, o maior do mundo para o segmento, não esteja em seus melhores dias, investimentos desse tipo seguem vistos com simpatia por lá. No Velho Continente, um saldo positivo de quase 11 bilhões de dólares em aportes verdes, além de 65 novos fundos, foi registrado no primeiro trimestre de 2024. Tudo indica que o movimento está longe de sofrer algum revés por lá. Muito pelo contrário. “Na Europa, a sustentabilidade é encarada como um não tema, já está no dia a dia das pessoas”, diz Marcela Kasparian, sócia e analista de finanças da gestora Semeare. Marcela cita o exemplo de sua sogra, uma holandesa de 80 anos: “Ela só investe naquilo que acredita ser positivo para a sociedade”.
Seria ingênuo, entretanto, acreditar que a maioria dos investidores priorizaria uma causa em vez da rentabilidade. Não é assim que o mundo funciona. Quem investe quer ter retorno financeiro. Se isso for positivo para o planeta, melhor ainda. Nobel de Economia aclamado em Wall Street, o americano Milton Friedman afirmou que a única função social de qualquer empresa é gerar lucro. Vez ou outra, expoentes do setor privado tentam se rebelar contra a ideia de Friedman. O próprio Larry Fink, da BlackRock, disse, em 2020, que o mercado precisa adotar propósitos maiores para lucrar. Bastou algo ameaçar as suas finanças — como o prejuízo dos investimentos verdes de seu fundo —, para Fink pensar melhor. “Em meus 20 anos de fundo Ethical, pioneiro em ESG no Brasil, as pesquisas que fizemos com cotistas apontavam que aportes eram feitos com base na rentabilidade, não na causa”, diz Roberto Gonzalez, consultor especialista em ESG. “Os investidores têm de acreditar que isso dá dinheiro.”
No Brasil, o segmento de títulos verdes é tímido: pouco mais de 10 bilhões de reais estão alocados em ativos sustentáveis, cifra semelhante à dos fundos anti-ESG dos Estados Unidos. Tanto por aqui quanto no exterior, os juros altos freiam o ímpeto do setor — os preços de equipamentos para a construção de usinas de energia sustentável, por exemplo, têm subido acima da inflação. Portanto, uma reversão da curva de juros no mundo poderá de alguma forma estimular novos aportes.
Do ponto de vista ambiental, a desaceleração dos investimentos verdes não poderia vir em pior hora. Diversos indicadores mostram que o aquecimento global é uma realidade alarmante, com estragos espalhados por todos os continentes. Criar soluções para proteger o planeta deveria ser um compromisso de toda a sociedade. Nesse sentido, os fundos ESG exercem papel vital, pois fornecem os recursos necessários para tirar projetos do papel. A boa notícia é que, no longo prazo, as perspectivas são promissoras. Segundo cálculos da agência de notícias Bloomberg, os ativos ESG deverão superar a marca de 40 trilhões de dólares globalmente em 2030, ante os atuais 30 trilhões de dólares. Ou seja: os fundos verdes resistirão, apesar das ameaças crescentes.
Publicado em VEJA, maio de 2024, edição VEJA Negócios nº 2