A despeito da atuação do governo para mitigar o impacto da pandemia do novo coronavírus na economia brasileira, números do IBGE mostram que os últimos meses foram marcados pelo encerramento de mais de meio milhão de empresas no país, o que ocasionou a perda de milhares de postos de trabalho. Diante do cenário de incerteza, os principais bancos aumentaram suas provisões e deixaram as companhias, sobretudo as menores, na ‘corda bamba’. Sem poderem acessar créditos, não foram poucas que sucumbiram ou entraram em recuperação judicial. Na última quarta-feira 25, o senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), de 44 anos, foi o relator do Projeto de Lei 4.458/2020, a nova Lei de Falências, que tem o intuito de modernizar os ritos da recuperação judicial e falências no Brasil, permitindo, dentre outras coisas, a ampliação da capacidade de financiamento a recuperandas, o parcelamento e o desconto para o pagamento de dívidas tributárias, a possibilidade de venda integral da companhia em RJ e, ainda, a possibilidade de os credores assumirem a gestão da empresa. Aprovado no Senado, o projeto deve ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nos próximos dias.
Alguns representantes de setores têm reclamado que a nova Lei de Falências não é benéfica para pequenas e médias empresas. O que o senhor tem a dizer sobre isso? Essas empresas serão beneficiadas por meio de leis complementares. Já está tramitando dois projetos. Um na Câmara, que já passou pelo Senado, e há um outro projeto do senador Jorginho Melo.
Alguns pontos do projeto podem ser alvos de vetos por parte do presidente Jair Bolsonaro. Dentre eles, quais o senhor destacaria? Acho que ela (a sanção) se dará rapidamente. O governo, sobretudo o Ministério da Economia, desempenhou um grande esforço para que essa proposta fosse aprovada. Eu não sei estimar se terá vetos, porque isso depende do governo e do próprio presidente da República, mas um ponto que ficou controverso foi um artigo específico, um dispositivo, que fala sobre a possibilidade de o Fisco pedir a convolação da recuperação judicial em falência quando houver inadimplência no parcelamento tributário. Isso gerou algum tipo de ruído por se dar ao Fisco um poder decisivo na recuperação judicial, o que contraria o intuito da lei que é o de salvar as empresas. Esse é um ponto que pode suscitar atenção. Outro ponto importante quanto à percepção do presidente é um tema levantado pelo senador Izalci Lucas sobre a tributação sobre descontos da dívida. Quando há um desconto, esse proveito pode ser alvo de tributação contra o devedor. Isso deve ir para um crivo de análise por parte do presidente da República. Além disso, muitos setores estão reclamando do prazo para adaptação da Lei, estimado em 30 dias. Eventualmente, o presidente pode vetar isso para que caia na regra geral dos 45 dias para que entre em vigência.
Um dos pontos que levantou dúvidas no Projeto de Lei foi a prorrogação do prazo para o pagamento aos credores trabalhistas de um para dois anos. Como o Senado avaliou essa questão? Antes de tudo, é importante dizer que os empregados de uma empresa em recuperação judicial ou falida continuam a ter a preferência aos seus créditos. Ou seja, se houver algum ativo, ele será utilizado para pagar dívidas trabalhistas. Considerando que entre os créditos chamados de créditos concursais, a prioridade continua sendo para o crédito trabalhista dos empregados, não houve no projeto de lei nenhum demérito ao credor trabalhista. O que houve foi dentro do espírito da lei de tornar viável uma recuperação judicial e de se encerrar o processo de falência com maior facilidade, com maior rapidez. Essa alteração também em relação ao prazo de pagamento das dívidas trabalhistas. Aumentando de um para dois anos essa possibilidade, dentro do espírito também da transação que foi instituída, do parcelamento tributário que foi aprimorado, da quebra de trava para poder vender os ativos da empresa para facilitar, inclusive, com que o crédito trabalhista possa ser pago, arrematando e leiloando bens do recuperando. Então, dentro do script da lei, foi algo alterado para poder permitir que a empresa se recupere, que os créditos sejam pagos e que a empresa possa reempreender para não ficar com processos trabalhistas infindáveis. Não houve sacrifício para os créditos trabalhistas, mas houve sim um alargamento do prazo para que esse pagamento seja concretizado.
Recentemente, a Latam entrou em recuperação judicial nos Estados Unidos, onde a legislação permite maiores incentivos às recuperandas por meio do Capítulo 11 da Lei de Falências americana. O novo projeto nacional permitirá incentivos de forma semelhante, certo? Essa é uma grande inovação muito salutar. Quando uma empresa está em recuperação ou em vias de quebrar, com dificuldades financeiras, ela pode ter um aporte de recursos, um auxílio, para um último suspiro. É o chamado dinheiro de última hora para poder se salvar. Às vezes esse recurso é o detalhe que faz a empresa se salvar ou não. O nosso projeto permite que esse recurso de última hora, para uma empresa em recuperação judicial, seja salvaguardado, que haja segurança para que o credor possa fazer esse investimento em empresas em recuperação judicial. E, com isso, ele não corre o risco de perder o dinheiro. Essa é uma forma de recuperar as atividades da recuperanda para que ela possa pagar todas as dívidas. É o chamado DIP Financing. O que acontece hoje no Brasil é que a empresa que está em recuperação judicial dificilmente tem acesso ao crédito. A nova legislação muda esse cenário.
Antes, o processo de recuperação judicial estimava que a recuperanda vendesse seus ativos em diversas fatias, as unidades produtivas isoladas (UPIs). Agora, será possível a venda total dos ativos? Sim. Pode se fazer a venda sem que o adquirente assuma os passivos, o que dá uma segurança para quem queira investir e adquirir a empresa. Outra novidade importante é que, quando o plano do devedor é rejeitado, abre-se a possibilidade de os credores apresentarem um plano de substituição, eventualmente até assumindo a administração da empresa. Isso não era possível antes. Se plano de recuperação judicial do devedor não era aprovado, a empresa ia direto para a falência.
A necessidade de modernização da lei sempre existiu, mas ganhou escala por conta da pandemia de Covid-19, com várias empresas do comércio e do turismo falindo nos últimos meses. Isso foi o principal fator para que o Projeto de Lei fosse votado rapidamente? Sim. De fato, nós estamos vivendo um momento delicado em função da pandemia, que atinge muito severamente vários setores da economia. Isso nos impôs a agilidade para modernizar a lei e socorrer as empresas que, infelizmente, estão indo à bancarrota.