Há alguns dias, a fabricante brasileira de tecidos Coteminas entrou em processo de recuperação judicial. O evento poderia ser apenas mais um a somar-se aos inúmeros pedidos de RJ protocolados em 2024, mas ele chama especial atenção. O conglomerado empresarial pertence a Josué Gomes da Silva, que divide as atribuições de CEO da Coteminas com as de presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), uma das principais entidades empresariais do país. Empresas passam por altos e baixos e enfrentam toda a sorte de desafios em sua jornada — entrar em RJ é uma medida legítima para assegurar a continuidade dos negócios. Contudo, não deixa de ser surpreendente o fato de o líder de uma organização como a Fiesp enfrentar, em sua vida empresarial privada, um desafio desse porte. “É um desconforto para a Fiesp ter um presidente à frente de uma empresa com tantas dificuldades, que não se restringem apenas à RJ, mas também a funcionários que não recebem salários em dia e problemas com fornecedores”, afirma um alto empresário ligado à indústria.
Os problemas da Coteminas vêm de longa data. A companhia começou a dar sinais preocupantes em 2008, quando a valorização do real em relação ao dólar fez diminuir as suas exportações. Daí em diante, prejuízos sucessivos se acumularam, situação que se agravou na pandemia e com o aumento da concorrência dos produtos chineses, mais baratos. Presa em um setor castigado por “ciclos econômicos curtos e voláteis”, como alega no pedido de recuperação, a Coteminas viu os números de seu balanço piorarem ano após ano. O mais recente deles, divulgado com enorme atraso e que abrange os resultados do primeiro trimestre de 2023, revelou um prejuízo de 268 milhões de reais no período. Naquela altura, a empresa já havia demitido 1 700 funcionários, ou 34% do quadro.
A recuperação judicial, cujo valor soma 2 bilhões de reais, foi parcialmente acatada para evitar que os credores peçam a execução de dívidas. O processo ocorre no contexto de um pedido de vencimento antecipado de debêntures emitidas pela Ammo Varejo — controlada pela Coteminas e dona das marcas de cama, mesa e banho MMartan, Artex e Santista — e de acesso a ações dessa empresa como garantia pelo não pagamento das dívidas do grupo. O pedido foi feito pelo Fundo de Investimento em Participações Ordenes, administrado pela Farallon Latin America Investimentos, uma gestora que chegou a protocolar uma solicitação para uma oferta inicial de ações da Ammo Varejo no fim de 2021.
Alguns investidores da companhia abandonaram o barco. Foi o caso da AMW, braço de gestão de recursos da corretora Warren, que se desfez há dois anos de suas ações da Coteminas. “Foi um investimento que fizemos quando o setor estava barato”, diz Eduardo Grübler, gestor de multimercados da casa. “Quando identificamos que a situação de crédito da empresa não estava boa, saímos da posição.” Outro participante do mercado que detém papéis da empresa há cerca de cinco anos também afirmou que o preço baixo foi motivador para a aquisição. “Infelizmente, quebrei a cara”, diz o gestor, que prefere não se identificar. Nem mesmo a parceria anunciada pela Coteminas, em abril de 2023, com a empresa chinesa de comércio eletrônico Shein foi suficiente para resgatar a confiança. De lá para cá, o papel preferencial da Coteminas passou a valer menos de 1 real e já se desvalorizou cerca de 70%. Procurado por VEJA, Josué Gomes da Silva não quis se pronunciar.
O empresário nunca teve vida fácil no comando da Fiesp. Na eleição presidencial de 2022, ele assinou um manifesto em defesa da democracia, o que desagradou a um grupo de apoiadores de Jair Bolsonaro. Desde então, vem recebendo críticas internas por sua suposta ligação com o presidente Lula, que chegou a sondá-lo para assumir um ministério. A duras penas, Silva manteve-se no cargo, mas o rol de desafetos na entidade jamais diminuiu. Agora, a crise na Coteminas provavelmente aumentará as pressões contra o seu nome.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893