A Microsoft tem um plano. A empresa de tecnologia criada nos anos 1970 por Bill Gates e Paul Allen quer transformar o Xbox, segmento de videogames que oferece hardware, software e infraestrutura on-line para jogadores do mundo todo, em uma marca dominante no setor. Faz quatro anos desde que o grupo americano pagou 7,5 bilhões de dólares pela ZeniMax, dona do estúdio Bethesda, e dois anos e meio do momento em que desembolsou 69 bilhões de dólares para incorporar a concorrente Activision Blizzard, naquela que foi a maior aquisição da história da companhia. Apesar dos obstáculos regulatórios ao longo do caminho, vindos dos próprios Estados Unidos, do Reino Unido e da União Europeia, a Microsoft se prepara agora para entrar de vez no jogo.
Para alcançar o objetivo, a empresa vem dando passos certeiros. Um dos mais importantes foi a permissão para que seus títulos e os da Activision Blizzard fossem vendidos por meio de serviços de nuvem de terceiros. A providencial movimentação serviu como o impulso que faltava para o gigante de tecnologia subir no ranking das mais poderosas empresas do setor — recentemente, a Microsoft Gaming pulou do quarto para o terceiro lugar em termos de receitas, superando a Apple e situando-se atrás da chinesa Tencent, que produz principalmente jogos para smartphones, e da japonesa Sony, dona do icônico console PlayStation.
A Microsoft também aumentou a aposta na saga Call of Duty — popular jogo de combate que veio com o pacote da Activision Blizzard —, cuja nova versão será vendida no seu serviço por assinatura, chamado de Game Pass. Ao lado de títulos bem-sucedidos no mercado de games, como Stalker 2 e Indiana Jones and the Great Circle, Call of Duty foi um dos principais lançamentos apresentados pela Microsoft no Showcase XBox, convenção realizada no início de junho, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Isso significa que os jogadores que normalmente pagam cerca de 300 reais para comprar o jogo de tiro terão a opção de baixá-lo por meio da plataforma, cuja assinatura custa para os brasileiros acessíveis 60 reais por mês.
O Game Pass nasceu em 2017 e, desde então, não para de crescer. Em 2023, o serviço contabilizava 34 milhões de assinantes, diante de 25 milhões em 2022. Como os principais lançamentos de jogos ainda podem gerar preços mais elevados, alguns analistas argumentaram que os serviços de assinatura poderiam representar um risco de canibalização das vendas à la carte. Mas a empresa parece não se abalar com as previsões. Tanto é assim que, em Los Angeles, anunciou o lançamento de três novas variações de consoles Xbox: um modelo da Série S e dois modelos da Série X, que se destacam por sua capacidade de armazenamento ampliada, sem disco físico. O lançamento nos Estados Unidos está programado para as férias de fim do ano. No Brasil, ainda não há previsão.
Tudo aponta para o caminho da pulverização dos jogos. Phil Spencer, presidente da divisão Xbox, está no comando da estratégia, que se baseia em três pilares principais: aumentar a base de jogadores, incrementar o serviço de nuvem e valorizar os desenvolvedores. No geral, o plano de Spencer parece ser tornar o Xbox menos centrado nos consoles e construir um ecossistema de jogos robusto, que atenda aos jogadores em várias plataformas, ao mesmo tempo que dá aos desenvolvedores mais liberdade para criar títulos e à Microsoft uma presença editorial mais forte. “Queremos que as pessoas joguem nossos jogos onde quiserem”, diz Spencer.
Não foi sem sofrimento que a Microsoft avançou na indústria de games. Em janeiro deste ano, 1 900 funcionários, ou 9% da força de trabalho do Xbox, foram demitidos. Vários estúdios foram fechados, incluindo Arkane Austin (conhecido pelo game Redfall), Tango Gameworks (Hi-Fi Rush) e Alpha Dog Studios. Outras unidades da empresa também foram impactadas pelas consolidações de equipes. Em comunicados, a Microsoft citou “reposicionamento de títulos e recursos” e a construção de uma “estrutura de custos sustentável” para o negócio. O ajuste de custos funcionou e, agora, a Microsoft Gaming desfruta de melhor desempenho financeiro. No ano passado, o setor de games da companhia teve, pela primeira vez na história, faturamento maior do que o gerado pelo sistema Windows.
Em um mercado que movimenta globalmente 184 bilhões de dólares por ano, segundo dados da consultoria Newzoo, especializada no mundo dos jogos eletrônicos, a busca da Microsoft por dominância faz todo o sentido. “Esse processo foi iniciado há uma década, quando a empresa começou a comprar estúdios pequenos”, afirma Vicente Mastrocola, professor de jogos digitais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “A aceleração do processo é mais recente.”
Atualmente, a indústria de videogames fatura mais do que as de cinema e de música — combinadas, estas giram em torno de 125 bilhões de dólares anuais. Para os videogames, as previsões indicam alcançar 206 bilhões de dólares até 2026. Pesquisas mostram que 3,3 bilhões de pessoas jogam videogames, um exército de fãs que equivale a quase metade da população mundial. Dispositivos móveis como smartphones tiveram papel vital nessa expansão. Há uma razão para isso: a facilidade de uso, a vasta oferta de títulos e o custo mais baixo.
Atenta a esse movimento, a Microsoft deu novo impulso ao segmento mobile, com o objetivo de enfrentar rivais poderosos como Apple e Google. A empresa de Bill Gates desenvolve uma loja para plataformas móveis, nos moldes da App Store e da Google Play Store, mas pretende oferecer uma seleção mais ampla de jogos. O CEO Phil Spencer enfatiza a importância das parcerias, o que poderia envolver a colaboração com outras empresas para trazer títulos ou experiências do Xbox para o formato móvel. Como uma das maiores companhias do mundo em valor de mercado, a Microsoft tem poder de fogo para encarar de frente qualquer rival na área de tecnologia. Não há dúvida: também no ramo dos games, ela não está para brincadeira.
Publicado em VEJA, julho de 2024, edição VEJA Negócios nº 4