As críticas de Paulo Guedes ao relatório da reforma da Previdência apresentado pelo deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP) e a demissão do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Joaquim Levy, no domingo, azedaram as relações entre o ministro da Economia e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Na quinta-feira 13, Moreira apresentou um parecer sobre a PEC da reforma da Previdência no qual exclui estados e municípios, retira o sistema de capitalização, defendido pelo governo, e altera alguns pontos do projeto de Guedes, como cortes no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria rural e o aumento da idade mínima para aposentadorias.
A reação de Guedes foi a pior possível – segundo ele, deputados “abortaram” a reforma. Para o ministro, se a estimativa de economia com a reforma da Previdência ficar em 860 bilhões de reais ao longo de dez anos – como ele acredita que será com as mudanças de Moreira –, será necessária outra reforma daqui a cinco ou seis anos.
Ao apresentar o relatório, Moreira informou que o impacto fiscal da proposta para a União ficaria em 913,4 bilhões de reais em dez anos. Guedes rebateu o número. “Isso aí [o valor de 913,4 bilhões de reais anunciado], estão pegando imposto, botando imposto sobre banco. Isso é política tributária. Estão buscando dinheiro de PIS/Pasep, mexendo em fundos. Estão botando a mão no dinheiro do bolso dos outros.”
Nesta segunda-feira, durante evento em São Paulo, foi a vez de Maia rebater Guedes. Para ele, as críticas ao parecer de Moreira unificaram a Câmara em torno do texto. Segundo o presidente da Câmara, o governo Bolsonaro é uma “usina de crises”, mas a reforma não será impactada por elas. De acordo com Maia, a agenda do Congresso está focada não só na Previdência, mas também nas reformas tributária e administrativa.
“A fala dele uniu o Parlamento e nos deu chance de estar mais próximos dos governadores e prefeitos. Tem crises ou críticas que vêm para o bem, então acho que fortaleceu a nossa posição e a nossa certeza de que Câmara e Senado podem ter um papel de protagonistas neste momento, que nunca tiveram ao longo dos últimos anos”, disse Maia.
Ele também rebateu as críticas à exclusão do sistema de capitalização e disse que o tema pode voltar a ser debatido no segundo semestre. “Você imagina que 900 bilhões de reais de economia – olhando o que tínhamos dois anos atrás, quando comemorávamos 400 bilhões de reais – é uma grande economia. Somados aos 200 bilhões de reais da MP 871/19 [a proposta que combate fraudes na aposentadoria rural], temos mais de 1 trilhão de reais. Está no limite correto”, afirmou.
Levy
A demissão de Joaquim Levy da presidência do BNDES no domingo – preanunciada pelo presidente Jair Bolsonaro no sábado 15, que disse estar “por aqui” com o economista – também azedou a relação entre Maia e Guedes. O presidente da República estava irritado com Levy, entre outros motivos, por ele ter nomeado Marcos Pinto, que atuou em gestões do PT, como diretor de mercado de capitais do BNDES. Pinto também pediu demissão após a declaração presidencial.
Maia afirmou que Guedes “errou feio” no episódio ao não tentar manter Levy e Pinto. “O Guedes errou, acho que já é passado e está decidido. Queria que o Marcos Pinto pudesse ser aproveitado num debate importante sobre economia com viés social, pois ele é um dos melhores do Brasil nessa área. Uma pena que foi feito dessa forma. Demitir faz parte, é um direito do governo, mas, da forma como foi feito, está errado, não se pode tratar as pessoas desse jeito”, criticou.
Reforma do Congresso
Maia era o principal interlocutor de Guedes no início da tramitação da reforma da Previdência na Câmara e era tido pelos líderes governistas como alguém fundamental para fazer a proposta avançar. Guedes também era considerado um interlocutor confiável do governo, por manter uma certa distância dos radicais que ocupam postos estratégicos na gestão.
Com o distanciamento entre ambos, Maia passou a deixar claro que a proposta em discussão agora no Congresso é mais da Câmara do que propriamente do governo. No sábado, o próprio Bolsonaro reconheceu que a reforma que será aprovada depende mais dos deputados e senadores do que dele e de seu governo. No sábado, questionado sobre isso, ele afirmou que “a bola está com o Parlamento”. “Na nossa bancada, do PSL, a gente orienta de uma forma. Se perder no voto, paciência. Vamos respeitar”, disse.
Questionado sobre a troca de críticas entre Maia e Guedes, o presidente afirmou que isso “é natural”. “Em casa, a gente briga às vezes com os filhos”, disse. “Tudo pode atrapalhar e tudo pode ajudar. Temos que debater o máximo possível e não atrasar muito para decidir essa parada”, afirmou.
Mercado
No setor financeiro, as críticas de Guedes ao relatório de Samuel Moreira – e ao próprio conteúdo do relatório – azedaram o humor dos investidores. Na sexta-feira 14, o Ibovespa caiu 0,74%, enquanto o dólar subiu 1,2%.