Fundadas com a diferença de apenas um ano, Microsoft (nascida em abril de 1975) e Apple (abril de 1976) seguiram em suas trajetórias caminhos bem distintos. Enquanto a empresa criada por Bill Gates foi, durante muito tempo, sinônimo de software, a companhia da maçã ficou marcada pela genialidade inventiva de Steve Jobs. Em outras palavras: a Microsoft era necessária e a Apple, sexy. No século XXI, a discrepância se intensificou com o lançamento do iPhone, que conquistou a condição de objeto de desejo de consumidores do mundo inteiro. Não à toa, a Apple se tornou, em 2023, a primeira empresa da história a alcançar valor de mercado de 3 trilhões de dólares. Nos últimos meses, contudo, o jogo mudou, e a Microsoft voltou a ocupar o posto de corporação mais valiosa dos Estados Unidos, após três anos fora do topo. A que se deve a virada?
Há uma razão principal que explica o movimento: inovação. Depois de muito tempo — pelo menos desde a era da computação pessoal —, a Microsoft voltou a liderar uma transição tecnológica. Desta vez, ela está à frente da chamada inteligência artificial regenerativa, tecnologia que responde perguntas e gera imagens a partir de sugestões feitas por usuários. A mudança foi gestada em 2019, quando, por determinação do chefão global, Satya Nadella, a Microsoft investiu em uma startup desconhecida, a OpenAI, que estava desenvolvendo um novo sistema de inteligência artificial. Em 2022, o ChatGPT chegou ao mercado e o mundo foi tomado por uma revolução. Nos últimos quatro anos, a big tech injetou 2 bilhões de dólares na OpenAI, e um novo aporte de 10 bilhões de dólares foi anunciado recentemente. “Decisões assertivas do CEO contribuíram para a valorização da empresa”, diz André Miceli, líder no Brasil da MIT Technology Review, plataforma de conteúdo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
A IA não foi a única aposta certeira da Microsoft. A empresa fez incursões bem-sucedidas no lucrativo negócio de computação em nuvem. A Azure, seu braço de negócios no ramo, é hoje a principal concorrente da Amazon na oferta desse tipo de serviço, e foi decisiva para o bom desempenho financeiro da Microsoft em seu mais recente balanço. No primeiro trimestre do atual ano fiscal, o lucro da Azure cresceu 29% na comparação anual, acima dos ótimos 26% registrados pela companhia como um todo.
Enquanto isso, a Apple vive tempos desafiadores. A empresa está atrasada na corrida da inteligência artificial e, para piorar, não há projeto consistente na área. Em conversa recente com analistas, o presidente Tim Cook afirmou que a companhia tem um trabalho “em andamento” no campo de IA, mas não deu detalhes sobre o que seria. Como se não bastasse, as vendas de iPhone também não empolgam como antes. A situação é tão complexa que, nos últimos dias, a Apple passou a dar descontos — algo inusual em sua história — nos smartphones vendidos na China, na tentativa de enfrentar a concorrência de marcas como Xiaomi e Huawei, que avançam sem parar. No ano passado, as vendas de iPhones no mercado chinês tombaram 30%. Ainda assim, a Apple fechou 2023 como líder do mercado global de smartphones.
Empresas de tecnologia enfrentam o desafio permanente de se reinventar. Foi assim com a Microsoft, que encontrou na inteligência artificial um novo caminho promissor. A própria Apple sabe o que é isso — a empresa, afinal, deixou de ser só uma fabricante de computadores para revolucionar o mercado de aparelhos de celular. Nesta semana, a estratégia de diversificação foi revigorada com o lançamento dos óculos de realidade virtual Vision Pro. Será suficiente para dar novo fôlego à Apple? Ninguém sabe a resposta, mas não é recomendável duvidar de uma empresa que, assim como a Microsoft, mudou o mundo.
Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2024, edição nº 2876