Se os investidores brasileiros já andam descontentes com a queda acumulada de 5,4% do Ibovespa neste ano, imagine os estrangeiros. Em dólar, o principal índice da bolsa brasileira simplesmente implodiu e acumula uma perda de 21,28% até esta quinta-feira 21. Se 2024 terminasse ontem, o resultado já seria o sétimo pior desde o ano 2000, segundo levantamento da consultoria Elos Ayta.
A Elos Ayta aponta que as ações da companhia aérea Azul (AZUL4) são as que mais caíram em dólar, com desvalorização de 75% no período. O grupo educacional Cogna (GOGN3) e o Magazine Luiza (MGLU3) completam o pódio, com perdas de 69% e 65% respectivamente.
Alguns fatores contribuem para que o Ibovespa mergulhe nesse precipício. O primeiro é a própria valorização da moeda americana em relação às demais. No acumulado do ano até ontem, 21, o Índice DXY já subiu 5,5%. Esse índice mede a variação do dólar americano em relação a uma cesta de seis moedas: euro, libra esterlina, iene, dólar canadense, franco suíço e coroa sueca.
A primeira razão para a alta do dólar é a perspectiva de que a inflação americana volte a crescer sob o governo de Donald Trump, que retornará à Casa Branca em janeiro de 2025. O republicano promete adotar uma política comercial mais protecionista, elevando os impostos de importação sobre diversos produtos e insumos da indústria. Com isso, os preços das mercadorias tenderão a subir.
Trump também pretende reduzir os impostos cobrados dos mais ricos, o que enfraquecerá a arrecadação e pressionará as já deficitárias contas dos Estados Unidos. Seu trunfo é que o dólar é a moeda mais utilizada por outros países e instituições financeiras para constituir suas reservas internacionais. Assim, pode simplesmente emitir mais dólares para cobrir os compromissos, pressionando ainda mais o câmbio frente a outras moedas nacionais.
Outro fator que faz o dólar subir é a expectativa dos investidores internacionais de que o Federal Reserve interrompa a trajetória de cortes da taxa básica de juros dos Estados Unidos para combater as pressões inflacionárias decorrentes da política econômica de Trump. Muitos gestores estão se antecipando e vendem suas posições em outros países para migrar para a segurança dos títulos públicos americanos.
Ibovespa enfrenta fuga de investidores estrangeiros
No caso da bolsa brasileira, os estrangeiros já acumulam um saldo negativo (compras menos vendas de ações) de mais de 30 bilhões de reais até 19 de novembro. Como esse grupo representa quase 60% da movimentação no mercado à vista da B3, sua fuga para ativos de menor risco nos Estados Unidos causa um grande estrago por aqui.
Por fim, o acirramento das tensões internacionais, como a continuidade da guerra de Israel contra o Hamas, com ataques a alvos no Líbano, Síria e Irã, e o impasse na guerra da Ucrânia contra a Rússia, também ajudam o dólar a subir e incentivam os investidores internacionais a se refugiar em ativos de menor risco.
É claro que o cenário brasileiro também atrapalha. A maior queixa dos investidores é a leniência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o salto da dívida pública. Em apenas vinte meses, a dívida bruta passou de 72% para 79% do produto interno bruto (PIB), pressionada por problemas na própria concepção do arcabouço fiscal adotado pelo petista em substituição ao teto de gastos criado no governo de Michel Temer.
Embora o arcabouço limite o crescimento das despesas a 2,5% acima da inflação, a indexação de uma porção relevante dos gastos ao salário-mínimo e ao aumento das receitas pesa na conta. Nas últimas semanas, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebbet, se concentraram sobre um pacote de ajuste fiscal ainda sem data para ser anunciado. Diante do ceticismo do mercado de que as medidas possam, de fato, atacar as raízes do desequilíbrio das contas públicas, a moeda americana segue em alta, pressionando ainda mais o Ibovespa em dólar.