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Guerra nos ares

Enquanto Latam, Gol e Azul protagonizam disputa pelo espólio da Avianca, os passageiros ficam com menos opções de voo e veem o preço das passagens disparar

Por Rodrigo Caetano
Atualizado em 4 jun 2024, 16h03 - Publicado em 31 Maio 2019, 07h00
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  • Os muitos, milhares de passageiros que tiveram seus voos cancelados pela Avianca Brasil nos últimos meses podem ter sido pegos de surpresa, mas as concorrentes da companhia — Azul, Gol e Latam — sempre estiveram atentas aos problemas financeiros que vinham, desde o fim de 2018, minando o vigor daquela que foi, até outro dia, a empresa aérea mais moderna e confortável em operação no país. E, desde que a companhia entrou em recuperação judicial, em dezembro, elas vêm usando todas as armas — as legítimas, e algumas nem tanto — para conseguir a parte mais lucrativa do espólio da Avianca brasileira. A companhia, que co­meçou a voar em 1998 com o nome OceanAir, chegou a ter uma frota de quarenta aeronaves, porém hoje nem pode usar as seis que lhe restaram, pois a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) suspendeu sua operação há duas semanas. A Azul enxerga na crise da rival a oportunidade que sempre quis de entrar em Congonhas, o aeroporto mais lucrativo do Brasil (sua base fica em Viracopos, Campinas, a 100 quilômetros do centro de São Paulo). Já a Gol e a Latam almejam consolidar seu domínio no mercado de aviação comercial do país, sem o incômodo de uma impertinente adversária. Enquanto isso, as autoridades observam a guerra de longe, preocupadas com uma possível diluição de concorrência, que pode se traduzir no pior dos cenários para os passageiros: o aumento no preço das tarifas aéreas. Não é, nem de longe, um temor infundado — desde março, quando a Avianca parou de operar na rota São Paulo-Fortaleza, por exemplo, o preço do bilhete já teve um aumento de 64%. “A saída da empresa é, claramente, o motivo para a subida recente do valor das passagens”, diz Juliana Vital, gerente-geral do site de comparação de preços Voopter.

    A derrocada da Avianca gerou a expectativa de que a Azul ocuparia o vácuo deixado por ela, mantendo, dessa maneira, o perfil de competição até então vigente na aviação civil nacional. Somadas, Azul e Avianca detinham há dois meses uma fatia de aproximadamente 30% do mercado. Gol e Latam, por sua vez, transportam quase 60% dos passageiros no país. Assim, não causou nenhuma estranheza quando as duas primeiras companhias assinaram um acordo de compra e venda que envolvia o repasse de trinta aeronaves e de todos os slots — as janelas de pouso e decolagem — disponíveis em Congonhas, que seriam assumidos pela Azul ao valor de 105 milhões de dólares. O negócio seria sacramentado em 5 de abril, data da assembleia de credores que definiu o plano de recuperação judicial da Avianca Brasil. Isso mesmo: “seria”. Dias antes, no entanto, entrou em cena um novo personagem: o fundo americano Elliott Management.

    Funcionários da Avianca protestam no aeroporto de Congonhas
    FIM MELANCÓLICO – Os últimos dias da Avianca Brasil tiveram protesto em Congonhas (SP) por falta de pagamento e por insegurança (Zanone Fraissat/Folhapress)

    Caracterizado como “fundo abutre” — vale dizer, especializado em companhias à beira da falência —, o Elliott foi reconhecido pela Justiça como credor da Avianca. Seus créditos somariam cerca de 2 bilhões de reais, o equivalente a 70% de toda a dívida da companhia. Nessa condição, de principal credor da empresa, o Elliott se tornava o dono da maior parte dos votos da assembleia destinada a bater o martelo no plano de recuperação judicial da Avianca. Diante desse cenário, Latam e Gol decidiram ignorar o acordo entre Azul e Avianca e apresentaram uma oferta alternativa diretamente ao Elliott, que, afinal, havia adquirido o poder de decidir o futuro da falida empresa. A proposta: dividir a Avianca em sete fatias, chamadas no jargão jurídico de Unidades Produtivas Isoladas (UPIs), e levá-las a leilão separadamente, como mandam as regras da recuperação judicial. Latam e Gol se comprometiam a desembolsar, cada uma, 70 milhões de dólares por um desses sete pedaços. O pulo do gato estava na escolha de slots estratégicos que impediam a Azul de encadear voos seguidos em Congonhas, acabando com a viabilidade econômica de sua operação. Na Justiça, os credores acusaram o Elliott de fazer um movimento ainda mais controverso: acertar com Latam e Gol o pagamento adiantado de 35 milhões de dólares de cada uma para que o fundo abutre recusasse na assembleia da recuperação judicial o plano original da Azul. As empresas negam as acusações, mas o leilão das UPIs marcado para o início de maio foi suspenso pelo desembargador Ricardo Negrão, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e os envolvidos aguardam agora uma decisão.

    Nos bastidores, vários credores da Avianca Brasil apontam outros problemas relacionados ao Elliott. Eles afirmam que a maior parte dos créditos devidos ao fundo não tem origem na companhia aérea e sim em outros negócios dos irmãos José e Germán Efromovich, donos do Grupo Synergy, com braços na construção naval e na aviação. Os documentos que comprovariam a natureza da dívida são confidenciais. Contudo, é consenso entre credores que quem deve ao Elliott, na verdade, são os estaleiros Eisa e Mauá — ambos do Rio de Janeiro —, além da Avianca Colômbia, que, apesar do nome e de ter os mesmos proprietários, é uma empresa independente da brasileira. “Nenhum centavo desses 2 bilhões de reais entrou na Avianca Brasil”, afirma John Rodgerson, presidente da Azul. Caso a Justiça não mude a decisão de reconhecer a legitimidade da dívida, os credores nada terão a fazer a não ser ver o Elliott receber o que lhe seria devido antes de todos. “Não vai sobrar nada para os demais credores”, reclama um dos advogados envolvidos. A Avianca e o fundo não responderam aos pedidos de esclarecimento de VEJA.

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    Em meio a tantas idas e vindas, e animada pela suspensão do leilão, a Azul tentou uma nova investida: solicitou à Justiça a criação de uma oitava UPI que contenha 21 slots nos aeroportos de Congonhas, Santos Dumont e Brasília, pela qual pagaria 145 milhões de dólares. Na terça-feira 28, o juiz responsável pela recuperação judicial concluiu ser inviável analisar o pedido da Azul enquanto não for tomada a decisão a respeito do leilão que corre em segunda instância. “O fato é que nós queremos colocar recursos na empresa para que os funcionários mantenham seus empregos e a ponte aérea continue com o mesmo número de concorrentes, enquanto eles (Latam e Gol) querem ficar sozinhos na rota”, diz Rodgerson.

    A questão pode ter sua temperatura elevada em breve por dois motivos. O primeiro deles é que está em curso um processo que deve resultar na formação de três grandes grupos multinacionais — capitaneados por American Airlines, United e Delta, todas americanas —, que irão controlar a quase totalidade dos voos nas Américas. A principal arma nessa batalha é conhecida como Joint Business Agreement (JBA), um modelo que permite às companhias aéreas atuar como se fossem uma mesma organização, sem alteração no controle acionário. Em dezembro de 2018, a United assinou o mesmo tipo de acordo com outras duas companhias aéreas latino-americanas: Copa Airlines e Avianca Colômbia. Desse modo, as duas empresas passaram a coordenar os horários e a definir em conjunto os preços das suas passagens. E a Gol já negocia um arranjo semelhante com a Delta.

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    A outra razão para que ocorra uma agitação no mercado da aviação civil brasileiro decorre da aprovação pela Câmara, na terça-feira 21, de uma medida provisória, a MP 863/18, editada pelo governo Temer, que autoriza até 100% de capital estrangeiro nas empresas aéreas nacionais. A medida pode dar uma injeção de capital nas companhias brasileiras. “Vai depender do apetite das empresas americanas ou europeias”, acredita o piloto e especialista no setor aéreo Marcio Peppe, sócio da consultoria KPMG no país. A fraca recuperação econômica do Brasil, entretanto, enevoa o horizonte. Por que investir em novos voos se a demanda seguir fraca? Para os interessados — as aéreas e, claro, os passageiros, que, com uma legítima guerra entre concorrentes, se beneficiariam da redução no preço das tarifas —, o melhor é que o país cresça.

    Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637

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