Em sua extensa trajetória política, o presidente Lula desenvolveu um modelo peculiar de gestão. Em vez de mirar apenas o futuro, governa com os olhos também voltados para o passado. Foi assim na reedição do programa Minha Casa, Minha Vida e na retomada de incentivos fiscais para determinados setores, como foi o caso recente da indústria automotiva. E, agora, vem aí o relançamento do PAC, como ficou conhecido o Programa de Aceleração do Crescimento. O projeto teve a ambição de ser uma das vitrines do segundo mandato de Lula, mas acabou entrando para a história pelos motivos errados. Em sua encarnação anterior, o PAC deixou um rastro de obras atrasadas, construções abandonadas e contratos com sobrepreços. Não à toa, nove dos dez maiores empreendimentos contemplados pelo programa acabaram investigados pela Lava-Jato por suspeita de corrupção.
Se não houver surpresas, o novo PAC, que também nasce com a premissa de financiar obras de infraestrutura, transporte e habitação, será lançado em 11 de agosto, após sua estreia ser adiada três vezes, a última em razão do recesso parlamentar. Para entrar em vigor, o programa depende da aprovação da nova regra fiscal, que deverá ser votada no Congresso nas próximas semanas. Os 60 bilhões de reais de recursos públicos designados para o novo PAC em 2023 se aproximam dos investimentos previstos no Orçamento da União para este ano, que giram em torno de 70 bilhões de reais. Mesmo que haja espaço fiscal e as prioridades sejam estabelecidas corretamente, a execução do programa é complexa e, como a história recente ensina, sujeita a derrapadas.
Um estudo realizado pela consultoria Inter.B constatou que, do PAC 1, lançado em 2007, apenas 25% das obras foram efetivamente entregues. No PAC 2, gestado em 2010, o índice subiu apenas um pouco: 36%. “O maior risco do novo PAC está relacionado à qualidade da governança dos investimentos”, diz o economista Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B. “Se repetirmos os erros do passado, será um desastre, pois temos grande capacidade para desperdiçar recursos públicos.” Para complicar, o atual contexto econômico é mais desafiador. Em 2007, quando a primeira edição do PAC foi lançada, o Brasil contabilizava superávit primário de quase 4% do produto interno bruto. Em 2023, as contas do governo deverão fechar no vermelho e a situação fiscal permanece frágil, embora o novo arcabouço deva colocar freios nos gastos públicos. Portanto, a conjuntura limita bastante o espaço para investimentos. “Agora, seria impensável criar exceções para o novo PAC”, afirma Alexandre Manoel, ex-secretário da Fazenda e atualmente economista-chefe da gestora AZ Quest.
O investimento público no Brasil atingiu seu ápice em 2013 e 2014, no final do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Os resultados foram trágicos para o país, que viu a inflação disparar nos anos seguintes e o PIB encolher como efeitos diretos da agenda expansionista e irresponsável. O problema é que temos, de fato, grandes carências em infraestrutura, que reduzem a competitividade brasileira e comprometem o crescimento econômico. Atualmente, o investimento no setor representa 1,7% do PIB ao ano, índice muito aquém dos 4% que, segundo especialistas, seriam necessários para diminuir o atraso histórico nessa área. Sob qualquer ângulo que se olhe, trata-se de percentual baixo demais. Na China e na Índia, o índice está por volta de 6% ao ano. Nos Estados Unidos, a média da última década ficou em 2,5%. O Brasil investe menos em infraestrutura até do que vizinhos sul-americanos como a Colômbia e o Chile.
O desafio, portanto, é melhorar a infraestrutura nacional sem recorrer à velha fórmula de gastar como se não houvesse amanhã. Entre os economistas, é consenso que a melhor saída consiste em atrair a iniciativa privada para projetos de grande magnitude. Em abril, o Ministério da Fazenda anunciou um novo marco regulatório para as parcerias público-privadas (PPPs), propondo mudanças para estimular o setor privado a investir em diversas áreas. Com as medidas, a expectativa é tornar viáveis projetos que poderão gerar cerca de 100 bilhões de reais em investimentos. Uma das prioridades na nova versão das PPPs é juntar esforços da União com estados e municípios. É uma boa notícia porque no nível federal as parcerias sempre encontraram dificuldade.
Por mais que o governo Lula apresente a nova versão do PAC como se fosse a salvação das mazelas nacionais, é preciso relembrar os equívocos do passado. No Rio de Janeiro, a ideia era tornar o Complexo do Alemão, bairro que abriga um dos maiores conjuntos de favelas da cidade, um dos símbolos do programa. Em 2008, o então presidente Lula anunciou obras de urbanização em áreas de risco. Entre elas estava a construção de um teleférico para o transporte de moradores da comunidade. O projeto foi abandonado e o equipamento está sem funcionar há quase sete anos.
Exemplos semelhantes são muitos. Levantamento do Tribunal de Contas da União indica que existem no país 8 600 obras federais inacabadas, sendo que boa parte delas nasceu do PAC. Outro caso estarrecedor é o da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Inaugurada em 2016, ao custo de 20 bilhões de reais, representa uma das maiores agressões feitas ao meio ambiente na história recente do país. Além de destruir fauna e flora locais, a obra deslocou comunidades indígenas que vivem no entorno do Rio Xingu. Anos depois de ser inaugurada, Belo Monte, a quarta maior hidrelétrica do mundo e a segunda do Brasil, ainda não trouxe grandes ganhos energéticos e simboliza o mau uso de recursos públicos.
Desta vez, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o PAC será mais “verde”, priorizando projetos de energia renovável e de descarbonização da economia. O discurso de Haddad representa um aceno à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, adversária histórica do projeto de Belo Monte. Em 2008, quando ocupava o mesmo cargo na administração Lula, Marina deixou o governo, entre outros motivos, por se opor à construção da hidrelétrica. “O PAC deverá fazer uma avaliação minuciosa da viabilidade dos projetos antes de se comprometer com investimentos bilionários e pressionar os órgãos ambientais”, diz Armando Castelar, ex-chefe do Departamento Econômico do BNDES, banco que, não custa lembrar, será um dos financiadores da nova versão do programa. Em outras palavras: o governo precisa manter os olhos bem atentos para não repetir os erros do passado e, assim, construir pontes para o futuro.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853