O mercado financeiro está muito temático. Não me lembro de tê-lo visto dessa forma antes. Claro que ele sempre foi um sujeito metido a descolado, viveu de suas modinhas. Mas, nesta intensidade, confesso: eu mesmo nunca vi.
Num dia, é para comprar tecnologia — afinal, esse é o grande vencedor de longo prazo, certo? Os juros de mercado nos EUA devem se estabilizar, pois não há muito espaço para disparada grande. A tendência estrutural ainda é a estagnação secular. A China pretende um crescimento menos dependente de commodities. Os BCs de Europa e Austrália já sinalizaram desconforto com a subida dos yields e disposição a agir. O dólar fica forte — e como as commodities são cotadas na moeda norte-americana, elas precisam se enfraquecer. É preciso comprar a Nova Economia em detrimento da Velha.
No dia seguinte — seguinte mesmo, sem nenhum exagero —, é o exato oposto. Joe Biden promete vacinar todos os adultos americanos até maio. Entra um novo pacote fiscal trilionário nos EUA. Há uma possibilidade real de superaquecimento cíclico da economia norte-americana. Nunca se viu tanto estímulo monetário e fiscal. A inflação está à espreita. Os juros precisam subir. É a hora dos bancos (financials em geral) e das commodities. Bora ir de volta à Velha Economia.
Já no terceiro dia, quando se criou a terra seca, percebe-se que, na verdade, o que ficou barato mesmo foram os nomes de abertura doméstica, muito castigados na crise. Precisam subir as aéreas, os shoppings, o varejo físico, as educacionais. Também dura 24 horas diante do recorde do número de mortes por Covid-19 no Brasil, novos lockdowns, constatação de estagflação e preocupação com a trajetória fiscal.
O gringo bate em retirada desses nomes e eles são fritados, em especial a segunda linha, onde não há muita liquidez e você demora semanas para sair de um determinado case de small ou midcap.
Os temas se revezam e a rotação setorial acontece com violência impiedosa. Cada vez mais, os fundos sistemáticos e quantitativos, muito orientados pelo factory investing (alocação definida a partir de fatores de risco descorrelacionados, sem entrar tanto no fundamento idiossincrático de cada companhia), e o trading, em detrimento do value investing clássico, parecem ganhar espaço.
Os fluxos das pessoas físicas começam também a ter cada vez mais relevância. Essa é uma nova dinâmica de formação de preços. E, ao que parece, a popularidade de plataformas sem corretagem e estimuladoras do giro, que posteriormente será vendido para Citadel e afins, como eToro e Robinhood, traz um tipo de participação menos informada ao mercado.
Segundo matéria do MarketWatch, os três tópicos mais visitados na seção de “Perguntas mais frequentes” do Robinhood são: “O que é o mercado de ações?”; “O que é o Dow Jones?”; “O que é o S&P 500?”. A turma não parece assim um primor da erudição em finanças e investimentos. Ao mesmo tempo, ficam cada vez mais populares ferramentas em que você pode copiar a carteira de um determinado trader, sem precisar saber nada de ações; apenas seguindo seu youtuber ou sua celebridade favorita. Disseram que a carteira do Alec Baldwin está entre as mais replicadas. Pessoas tratando a Bolsa como um cassino em que os croupiers estampam revistas de celebridades.
Assim, seria natural termos, ao menos no curto prazo, um desapego maior aos fundamentos. Se você recuperar o value investing em suas origens mais elementares, encontrará, nas palavras do próprio Benjamin Graham, algo mais ou menos assim: há uma fé numa espécie de magnetismo, uma expectativa de que haja sempre uma convergência dos preços (das cotações atuais) ao valor intrínseco da companhia; no final, ninguém sabe muito bem explicar direito a razão disso. É uma fé mesmo. Este é o termo. Uma esperança de que, cedo ou tarde (normalmente, mais tarde do que cedo), o mercado vai perceber o real valor da respectiva companhia. Em tempos de pandemia, a fé está sendo testada ao limite.
Felipe Miranda* é estrategista-chefe da Empiricus