Uma das maiores redes de fast-food do mundo, o Burger King tem a tradição de louvar em seus cartazes a cultura da gastronomia ogra, estratégia comum também entre seus principais concorrentes. E tome fotos de sanduíches com vários andares de carne, intercalados por queijo e fatias de bacon. No último dia 12, a empresa fundada nos Estados Unidos em 1954 fez um dos movimentos mais radicais de sua história, anunciando a versão vegetariana de um dos carros-chefe do seu cardápio, o Whopper. A cadeia de lanchonetes lançou no mercado americano o Impossible Whopper, que leva esse nome por usar o hambúrguer desenvolvido pela Impossible Foods, companhia especializada em produtos plant-based, ou seja, alimentos criados a partir de vegetais, imitando a textura e o sabor da proteína animal. A novidade tem 40% menos gordura saturada em comparação ao similar tradicional.
O negócio chega ao Brasil em setembro, em 58 lojas da cidade de São Paulo. Por aqui, o lanche plant-based será chamado de Rebel Whopper e, outro grande sinal da mudança dos tempos, sua proteína terá a marca da Marfrig, uma das líderes na produção de carne bovina no mundo, em parceria com a americana Archer Daniels Midland Company, processadora agrícola e fornecedora de ingredientes alimentícios que está entre as maiores do planeta. O interesse é tão grande que os dois gigantes também vão produzir o seu hambúrguer vegetal para a venda em supermercados. “Muita gente quer reduzir o consumo de carne ou até se tornar vegetariana, mas valoriza seu sabor”, diz Ariel Grunkraut, diretor de marketing do Burger King no Brasil.
Os investimentos mostram que o produto está deixando de ser um negócio de nicho. A primeira rede brasileira a usar um hambúrguer 100% vegetal foi a Lanchonete da Cidade, com cinco endereços em São Paulo. Em maio passado, a cadeia lançou o Futuro Burger, que tem proteína de ervilha e soja, além de grão-de-bico e beterraba. A receita leva ainda queijo e maionese veganos. O hambúrguer é fornecido pela Fazenda Futuro, startup brasileira especializada no assunto e que já recebeu mais de 30 milhões de reais de investidores externos. “A sacada foi perceber que o consumidor poderia comer algo com um significado, um propósito, que não seja apenas satisfazer a fome”, teoriza Vinicius Abramides, diretor-geral da Companhia Tradicional de Comércio, dona da Lanchonete da Cidade. Existe mesmo demanda pelo Futuro Burger, que custa 29 reais: no último mês, foram vendidos cerca de 10 000 sanduíches do tipo, o equivalente a 20% do total de lanches comercializados. Ele só não agrada ao paladar de alguns críticos gastronômicos.
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O estabelecimento não é o único atendido pela Fazenda Futuro (no Rio, a TT Burger usa seu produto). São mais de 3 000 pontos de venda atualmente, contando as bandejas de hambúrgueres comercializadas pelas redes Extra, Pão de Açúcar e Carrefour. A empresa fechou recentemente uma parceria com o Spoleto e vai fornecer também almôndega e carne moída vegetal à franquia de massas. Até o fim do ano, a Futuro terá capacidade de produção de 550 toneladas de carne vegetal. “Existe espaço no país para a criação de um player global de alimentos plant-based”, diz Marcos Leta, fundador da Fazenda Futuro.
O apetite para abocanhar esse negócio está em sintonia com a onda do consumo consciente de alimentos. Segundo levantamento do Datafolha em 2017, 63% dos brasileiros querem reduzir a ingestão de carne. A preocupação com a saúde ajuda a acelerar o processo de mudança. A Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, nos Estados Unidos, acaba de divulgar um estudo que mostra que pessoas com uma dieta baseada em produtos animais e carboidratos têm probabilidade 32% maior de morrer de doenças cardíacas em comparação com as que adotam uma alimentação baseada em vegetais. “Se eu impacto menos o meio ambiente, não existe animal envolvido, tem menos gordura, não tem colesterol, por que não trocar de hambúrguer?”, diz Alessandra Luglio, diretora do departamento de saúde e nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira. Até o Burger King já entendeu que para uma parte considerável de clientes a resposta é “sim”.
Publicado em VEJA de 21 de agosto de 2019, edição nº 2648