O governo anunciou na segunda-feira a privatização da Eletrobras, estatal do setor elétrico. Segundo o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, a medida possibilitará a correção de ineficiências da empresa, reduzindo os custos e, no longo prazo, também a conta de luz. Apesar da perspectiva, especialistas no setor elétrico indicam que o efeito mais imediato deve ser justamente o inverso: o aumento nas tarifas.
O problema é que há um desequilíbrio entre o valor que as empresas recebem pela energia vendida e os custos para a sua geração. Isso gera um rombo que é coberto pela Eletrobras. Mas essa conta deverá ser compensada após a privatização com repasses para o consumidor.
As empresas de geração de energia fazem contratos de longo prazo prevendo quanto entregarão de energia e qual o valor que será pago. Esses acordos podem ser firmados tanto com as distribuidoras quanto com clientes – o chamado mercado livre. Quando não conseguem entregar a quantidade prometida, as geradoras devem comprar o que falta no mercado à vista, que é mais caro. Por causa de fatores ocorridos nos últimos anos, como seca e maior uso dos reservatórios, esse preço tem sido muito superior ao valor da venda.
No caso da Eletrobras, que é dona tanto de empresas geradoras – como a hidrelétrica de Itaipu – como distribuidoras, os problemas se agravaram com a mudança de regras feita no governo Dilma Rousseff na tentativa de baixar a conta de luz. Com a medida provisória 579, o governo levou as geradoras a vender segundo preço calculado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Quem aderisse à proposta teria a concessão prorrogada por 30 anos e, quem não aderisse, poderia tê-la leiloada.
Ocorre que o valor estimado na geração foi muito baixo, inferior aos custos, o que gera prejuízos. Segundo o pesquisador do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), Roberto D’Araújo, o cálculo foi estimado em modelos matemáticos, ignorando peculiaridades das hidrelétricas. “O preço oferecido pelo governo é de cerca de 30 reais por megawatt. Eu desafio alguém a me mostrar uma usina no mundo que gere energia a esse preço”, diz.
Isso fez com que três grandes empresas de geração não quisessem aderir ao modelo proposto: Copel (PR), Cesp (SP) e Cemig (MG).
Distribuição
A queda na disponibilidade de energia no mercado, pela saída dessas empresas, estiagem e baixo nível dos reservatórios, afetou as distribuidoras de energia que entraram nas novas regras, muitas delas pertencentes à Eletrobras. Pela MP 579, foram elas, e não as geradoras que aderiram ao novo modelo, que precisaram ir ao mercado de curto prazo comprar a energia faltante. E acabaram tendo que comprar energia por preço maior do que receberiam dos consumidores, acumulando prejuízos.
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), as empresas do setor precisam de investimentos significativos para voltar ao equilíbrio financeiro. Esses valores podem vir tanto da venda de ativos da Eletrobras quanto de repasses da conta de luz. “Acho que não tem sentido, através do leilão de usinas, gerar caixa para o governo”, diz.
Diluição
Embora ainda não haja definição sobre como será o modelo de privatização – as usinas de Itaipu e nucleares devem ficar fora –, o projeto apresentado até o momento é de aumentar o número de ações da empresa, que seriam compradas pelo mercado.
Hoje, a União detém 51% das ações ordinárias – ou seja, aquelas que dão direito a voto nas assembleias. Com a compra dos novos papéis seria feita por investidores, a participação da União deixaria de ser majoritária. Assim, as decisões precisariam ser acertadas entre os demais sócios.
Para o professor da Fundação Dom Cabral, Paulo Vicente, um efeito da diluição do controle é a atração de investimento. “Quando há mais controle disponível, o mercado fica mais à vontade para por seu dinheiro”, explica.
Segundo o sócio do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), Adriano Pires, esse método de privatização é mais moderno que a venda de participação a um controlador estrangeiro. E o fato não haver acionista majoritário melhora a qualidade das decisões, o que leva a empresa a evitar falhas, como apagões. “O apagão é ruim para a empresa que gera energia, pois ela tem todo o interesse em ter essa energia disponível para vender”, diz.