“Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos.” As celebradas linhas que abrem o romance Um Conto de Duas Cidades (1859), do britânico Charles Dickens, também poderiam servir para iniciar o relatório anual de 2020 dos gigantes de tecnologia, as chamadas big techs. O termo, que compreende Amazon, Apple, Facebook e Google, foi destaque quando se falou da recuperação de bolsas de valores pelo mundo e das mudanças de hábitos na pandemia. O ano será lembrado pela explosão do entretenimento virtual, das compras on-line, das videoconferências, do trabalho remoto e do ensino a distância — todos fontes de lucro para os colossos digitais. Enquanto companhias aéreas, bancos e petrolíferas amargaram imensas perdas, as ações das big techs dispararam. O índice da Bolsa Nasdaq, que reúne as empresas de tecnologia, cravou recordes históricos em junho, e começou dezembro com um crescimento de 38% no acumulado do ano. Todos os quatro gigantes superaram o valor de mercado de 1 trilhão de dólares. Maior entre os maiores, a Apple atingiu, em dezembro, impressionantes 2,1 trilhões de dólares.
Tamanho sucesso conviveu com escrutínio público de rigor inédito sobre os gigantes da tecnologia. As preocupações se concentram na forma como eles ameaçam a concorrência, usam os dados pessoais que coletam e dão vazão a notícias falsas e discursos de ódio. A Europa já se movimenta há anos para coibir o que vê como abusos. Nestes meses de reuniões pelo Zoom, Mark Zuckerberg (Facebook), Jeff Bezos (Amazon) e colegas apareceram em monitores no Congresso americano sendo interpelados sobre seus negócios. O cerco apertou com uma ação antitruste movida pelo Departamento de Justiça contra o Google, por privilegiar seu sistema de buscas e boicotar rivais. Em dezembro, uma coalizão de 48 estados americanos, junto com a Comissão Federal de Comércio, protocolou uma ação antitruste contra o Facebook que inclui a sugestão de que a empresa se desfaça do WhatsApp e do Instagram. O processo deve se arrastar por muito tempo, mas expõe uma certeza: as big techs estão carentes de likes.
Publicado em VEJA de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719