Filho dileto da Escola de Chicago, o bastião mundial do liberalismo econômico, Paulo Guedes assumiu o Ministério da Economia com a promessa de uma lufada de ar fresco no decrépito sistema tributário brasileiro. A ideia básica era a simplificação do emaranhado fiscal e a redução de impostos, associadas a um urgente enxugamento de um Estado oneroso, voraz e ineficiente. Na sexta-feira 25, ao apresentar a segunda etapa da reforma tributária ao Congresso, Guedes fez um movimento que levaria os próceres da doutrina liberal, George Stigler (1911-1991) e Milton Friedman (1912-2006), ambos agraciados com o Prêmio Nobel de Economia, a revirar furiosamente em seus túmulos.
Entregue recentemente ao presidente da Câmara, Arthur Lira, o projeto de lei subverte os princípios da doutrina e avança sobre os caixas das empresas e bolsos de empreendedores e da classe média. O texto ressuscita uma tributação de dividendos e lucros que já havia sido abandonada em 1996. Associada a tributos já existentes, a nova cobrança é um assombro: ela pode elevar para 49% o índice pago por empresas e empreendedores, uma atrocidade fiscal próxima de um confisco. A proposta também extingue o desconto simplificado para quem ganha até 40 000 reais por ano ou 3 000 reais mensais e, no que diz respeito ao alardeado aumento do número de isentos, acaba beneficiando menos contribuintes do que deveria. Em resumo, o projeto do governo pune aqueles que já pagam altos impostos e pouco recebem em troca: a iniciativa privada e a classe média brasileira.
No anúncio da proposta, os técnicos do Ministério da Economia se valeram da gasta retórica de redução de impostos para os mais pobres e fim das vantagens dos ricos. Balela. Trata-se na verdade de um discurso populista, que caberia perfeitamente na plataforma eleitoral de um partido como o PT, mas que foi abraçado por este governo, 100% dedicado hoje a um só objetivo: o projeto de reeleição de Bolsonaro. Se esta administração estivesse de fato interessada em coibir privilégios, se empenharia mais nas privatizações ou numa reforma administrativa radical do Estado, eliminando estruturas que consomem bilhões de reais e, para desgosto dos cidadãos brasileiros que pagam impostos, têm atravessado intactas sucessivas gestões.
Como Paulo Guedes e a equipe econômica falharam nessa hora tão importante, cabe agora ao Congresso Nacional realizar os ajustes necessários para que esse modelo não vingue. Da maneira como está, as consequências para a economia brasileira podem ser nefastas, com uma brusca diminuição de investimentos e até a saída de multinacionais do Brasil. Em outras palavras, um desastre que pode aumentar ainda mais o desemprego, o dólar e promover uma fuga de capitais do país. Leia a reportagem completa, que começa na página 42.
Publicado em VEJA de 7 de julho de 2021, edição nº 2745