Entre os 57,7 milhões de brasileiros que votaram em Jair Bolsonaro para presidente no segundo turno das eleições de 2018, uma parcela considerável de eleitores decidiu apoiar o ex-capitão pela perspectiva de avanços econômicos em seu governo — uma injeção liberal numa máquina que ainda depende em demasia do Estado. Tal raciocínio se sustentava na figura de Paulo Guedes, o Posto Ipiranga do novo presidente, devidamente qualificado para suprir as deficiências técnicas do chefe. Instalado em um superministério com poderes inéditos, seguidor da Escola de Chicago e dos princípios do prêmio Nobel Milton Friedman (1912-2006), Guedes imprimia ao governo um cunho liberalizante, pró-mercado e antiestatista, e desenhou um ambicioso projeto de mudar o país. Sua intenção era promover uma virada semelhante — ou ainda mais significativa — à ocorrida no Plano Real, dos anos 1990.
Em julho de 2019, com seis meses no cargo, o Posto Ipiranga acenou com o fim da era de voos de galinha na economia brasileira, marcada por decepcionantes taxas de crescimento e estruturas anacrônicas. Uma reportagem de capa de VEJA naquele momento mostrava que o ministro se preparava para desembrulhar, nos três anos seguintes, um pacote de medidas capazes de injetar 3,6 trilhões de reais na economia em uma década. A perspectiva com o programa apelidado de Plano Guedes era dobrar o PIB per capita do país nos próximos dez anos e promover, finalmente, a evolução que todos desejamos. Hoje, infelizmente, o que se tem é um resultado pífio. As privatizações, que prometiam render 990 bilhões de reais, tiveram avanços constrangedores, representados nas vendas de participações em algumas empresas públicas. A reforma tributária, avaliada em 450 bilhões de reais, foi desfigurada e emendada de tal forma que dificilmente chegará ao formato previsto — isso se sair do papel. A reforma administrativa, fundamental para dar agilidade ao Estado brasileiro e acabar com os privilégios corporativistas do funcionalismo, foi esquecida.
Seria injusto dizer que o país não teve nenhum avanço nesse período. A reforma da Previdência aconteceu — ainda que em tamanho e abrangência mais modestos que o planejado —, houve ganhos nas áreas de concessões e regulação em setores significativos, como de saneamento e gás. Mas, em essência, o que se viu nos últimos dois anos e meio foi o comportamento abilolado do presidente devorar por completo as ideias liberais e modernizantes de Guedes. O viés corporativista, estatizante, populista e eleitoreiro de Bolsonaro matou no berço medidas que enxergava como risco a seu projeto de reeleição. O resultado: uma agenda promissora foi jogada no lixo. Perdeu o país e perderam os brasileiros.
Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2022, edição nº 2775