Os carros movidos a eletricidade, que há até muito recentemente soavam como promessas vãs na lida com o meio ambiente, ao evitar a poluição, finalmente caíram no gosto da indústria e, por óbvio, do consumidor. Em alguns mercados, a revolução segue em marcha acelerada, em boa parte graças a incentivos fiscais dos governos. Países da Europa, como Noruega e França, oferecem subsídios para a compra, isenção de impostos e até descontos em pedágios e estacionamentos. Os Estados Unidos também fornecem benefícios tributários a quem deseja trocar um modelo a gasolina por um carro “limpo”. A China, dona da maior frota de veículos elétricos do mundo, anunciou em junho um pacote com valor aproximado de 72 bilhões de dólares em isenções de taxas como forma de impulsionar ainda mais o setor.
No Brasil, a popularização dos elétricos ainda segue em ritmo lento, mas virá, como reflexo do que acontece no mundo — e, sobretudo, na China. O próximo e natural passo, portanto, será a oferta de veículos elétricos a custo mais baixo, na comparação com modelos americanos e europeus. É assim que a banda toca, de modo inexorável. A grande barreira à adoção de modelos híbridos e elétricos no Brasil é o preço. Nas concessionárias, automóveis de alto padrão, é claro, mas também os ditos populares, mais singelos, saem por um valor elevado — e muito acima de seus correspondentes com motor a combustão. A título de comparação: o pequeno Renault Kwid E-Tech custa algo em torno de 150 000 reais, mais que o dobro do modelo semelhante alimentado por combustível fóssil, vendido por 70 000 reais. Mesmo os carros elétricos considerados de “entrada do portfólio”, de marcas como JAC Motors e Caoa Chery, estão na mesma faixa.
É certo que, no saudável jogo da concorrência, respeitadas as normas, a agressividade das montadoras chinesas mudará o mercado. Elas estão trazendo modelos maiores, mais potentes e completos por até 150 000 reais — valores competitivos até em relação a carros convencionais. Quem está à frente do movimento é a BYD, maior fabricante de veículos eletrificados do mundo, que bateu a marca de 5 milhões de unidades produzidas, a maioria na China. Por aqui, acaba de lançar o Dolphin, hatch com acabamento caprichado e autonomia de 300 quilômetros com uma única carga. O objetivo é estar entre as principais fabricantes do país em até cinco anos, produzindo 20 000 unidades por mês. Para isso, investirá 3 bilhões de reais na fábrica em Camaçari, na Bahia, que era da Ford.
Na briga monetária, a resposta foi imediata. Quem já oferecia veículos elétricos de entrada, como a também asiática JAC, baixou os valores: o E-JS1, por exemplo, baixou para 140 000 reais. Outra chinesa novata no Brasil, a GWM, conhecida pelas três versões de seu SUV híbrido Haval H6, anunciou o lançamento do Ora 03, seu novo veículo totalmente elétrico. Com visual chamativo, potência e autonomia superiores às dos concorrentes, terá uma versão na faixa dos 150 000 reais — as primeiras unidades devem ser entregues em outubro. A disputa pela primazia no mercado chinês entre BYD e GWM, portanto, deverá ser vista também nas ruas brasileiras.
É evidente que alguns obstáculos à disseminação em larga escala dos elétricos continuam a existir. Um deles é a falta de incentivos. Em São Paulo, por exemplo, a isenção de IPVA de veículos eletrificados ainda está sendo debatida — por enquanto, o estado oferece apenas liberação do rodízio. Outras praças discutem projetos semelhantes. A infraestrutura de carregamento das baterias é outra preocupação pertinente. Nos centros urbanos há uma crescente oferta de tomadas de carregamento rápido, e alguns modelos já acompanham o sistema para ser instalado em casa. Mas quem precisa encarar viagens longas terá problemas para garantir a carga necessária. E o preço, reafirme-se, embora reduzido, continua elevado para boa parcela da população. Contudo, é de esperar reviravoltas aceleradas. Afinal, o caminho de transformação na indústria automotiva parece traçado.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855