Uma mistura de euforia e expectativa tomava o 9º andar de um prédio de escritórios da Avenida Paulista, em São Paulo, na manhã do dia 21 de junho. Ali, os sócios da plataforma de streaming Brasil Paralelo não se cansavam de admirar as telas que registravam a quantidade de pessoas assistindo em tempo real à mais ambiciosa produção da empresa. Com o título de Entre Lobos, o documentário sobre a violência urbana havia arrebanhado em apenas quatro horas o equivalente a 2,5 milhões de reais em novas assinaturas do serviço. Com mais de cinquenta entrevistas e filmagens em treze capitais brasileiras, a obra segue estritamente o ideário conservador e custou 1 milhão de reais.
É patamar inédito para uma empresa fundada há seis anos por três jovens amigos em Porto Alegre, e que tem experimentado um crescimento exponencial (veja o quadro abaixo). A expectativa dos sócios é que até o fim do ano a plataforma ultrapasse a marca dos 100 milhões de reais em receita. “Nosso negócio é extremamente promissor. Querendo ou não, o fenômeno da polarização gera tanto prejuízos como oportunidades”, afirma Henrique Viana, 31 anos, fundador e presidente. Não à toa, os principais blockbusters da Brasil Paralelo se baseiam em temas que provocam acaloradas polêmicas, como aborto e educação domiciliar (homeschooling). “É um território com espaço para os mais diversos pontos de vista e modelos bastante específicos de conteúdo”, avalia. No catálogo de mais de 100 obras originais, estão documentários que atraem tanto elogios fervorosos como críticas demolidoras, entre eles Brasil: a Última Cruzada, Pátria Educadora e 1964: o Brasil entre Armas e Livros, acumulando cerca de 30 milhões de visualizações na plataforma.
Com uma equipe de 230 funcionários, a Brasil Paralelo se propõe a seguir o modelo de negócios adotado por gigantes do streaming como Globoplay, Netflix, HBO Max e Amazon Prime Video. No entanto, também explora traços que caracterizam o conceito de mediatech (as startups do setor de comunicação), como a exploração de um nicho específico e o uso intensivo da tecnologia para monitorar o comportamento do público e auxiliar na captação e manutenção de assinantes. “Empresas como a Brasil Paralelo se fundamentam em um senso de comunidade, em que a seleção do que vai para o site ou plataforma é o que de fato importa para quem assina”, avalia Márcio Rodrigo, especialista em distribuição de produtos audiovisuais e professor da ESPM.
Para chamar a atenção de seu público potencial, aposta em uma vasta gama de subprodutos, como vídeos curtos avaliando e estimulando o consumo dos filmes ou documentários originais, bem como análises em podcasts sobre os temas abordados, divulgadas em redes sociais e em seu canal do YouTube, com 2,7 milhões de inscritos. Da mesma forma, adota uma agressiva política de anúncios em plataformas como o Facebook, a praça de guerra da polarização por excelência. Apenas na rede de Mark Zuckerberg, a Brasil Paralelo aplicou 3,3 milhões de reais em publicidade entre abril e junho. No Google, outro poderoso canal de publicidade on-line, a empresa gastou 377 000 reais entre novembro de 2021 e junho de 2022, tornando-se o que o gigante da tecnologia qualificou como o maior anunciante do país no segmento de campanhas políticas — uma honraria que a empresa renega, uma vez que declara não fazer campanhas nem ter vínculos político-partidários.
Ainda que a Brasil Paralelo insista na independência ideológica, há uma evidente superposição entre valores defendidos pela empresa e os apregoados pelos simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro — e isso se torna evidente em algumas de suas produções. O ministro da Justiça, Anderson Torres, por exemplo, é um dos entrevistados do documentário Entre Lobos, cuja pré-estreia em Brasília se tornou uma concentração de políticos bolsonaristas. “Não temos vínculo político porque nossa concepção de conservadorismo não se restringe a um político e grupo em si”, explica Viana. No eclético espectro que forma a matriz conceitual da plataforma, ele inclui por exemplo cineastas como o americano Frank Capra e escritores como os britânicos J.R.R. Tolkien, de O Senhor dos Anéis, e C.S. Lewis, de As Crônicas de Nárnia. Por sinal, é de Lewis que vem a inspiração para a próxima ousadia da Brasil Paralelo. Trata-se da primeira obra de ficção da produtora, inspirada no livro Cartas de um Diabo a Seu Aprendiz.
Publicado em VEJA de 13 de julho de 2022, edição nº 2797