Nos últimos anos, a mobilidade urbana brasileira passou por uma revolução. A chegada de aplicativos de transporte e de serviços de compartilhamento de bicicletas e patinetes elétricas mudou a paisagem das cidades, facilitou o jeito de se locomover e abriu novas frentes de negócios. Depois, a pandemia fez com que muita gente buscasse modos alternativos de se movimentar, sem depender de transportes públicos lotados. Nesse cenário de mudanças, grandes bancos estão assumindo o papel de oferecer soluções alinhadas às demandas da sociedade. Dessa vez, a transformação será movida a eletricidade.
No fim de janeiro, o Santander lançou um serviço de aluguel de scooters elétricas que poderão ser emprestadas por hora mediante o pagamento de uma taxa de 5,90 reais pelos primeiros dez minutos e mais 75 centavos de real por minuto adicional. Por enquanto, a frota conta com cinquenta scooters espalhadas por São Paulo, mas o projeto será ampliado em breve. Para alugar o veículo, que tem velocidade máxima de 50 quilômetros por hora e é rastreado em tempo real, o cliente precisa ser maior de idade, possuir CNH com habilitação para motocicletas e usar capacete.
Além do custo baixo, outro elemento que pode impulsionar o uso das scooters é a preocupação ambiental. “O projeto faz parte de nosso compromisso de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050”, afirma Carolina Learth, responsável pela área de sustentabilidade do Santander Brasil. Antes de lançar a iniciativa para a população, o Santander fez em agosto do ano passado um projeto-piloto em parceria com a rede de pizzarias Domino’s. Ao longo do teste, entregadores da franquia em São Paulo trocaram as motos barulhentas por 36 scooters elétricas, mais sustentáveis — uma moto comum polui até dezessete vezes mais do que um carro —, e silenciosas. De acordo com o Santander, em um ano as scooters deixarão de lançar 20 toneladas de gás carbônico na atmosfera.
Não é de hoje que a indústria financeira está de olho em projetos de mobilidade. No Itaú, maior banco privado da América Latina, a iniciativa mais conhecida é o aluguel de bicicletas. Lançada há onze anos em parceria com a startup Tembici, ela proporcionou 25 milhões de viagens desde então. Só em São Paulo, a instituição mantém 2 500 bikes. O próximo passo será mais ambicioso: um programa de compartilhamento de carros elétricos em que o motorista retira o veículo em uma estação, destrava as portas do automóvel com ajuda de um aplicativo e devolve o veículo em outro local. Chamado de Vec Itaú, o programa está sendo testado por 800 funcionários do banco e logo depois será colocado no mercado. As tarifas não foram definidas, mas a escolha de modelos de luxo, como BMW i3 e Jaguar I-Pace, sugere preço elevado para ter acesso ao serviço.
As grandes instituições bancárias não investem em mobilidade apenas porque desejam o bem do planeta. Isso pode até estar por trás do movimento — certamente está —, mas o impulso que estimula os bancos é obviamente financeiro. “Mobilidade é um setor estratégico porque gera muito valor para a economia e para a sociedade”, afirma Paulo André Domingos, superintendente de produtos digitais da área de veículos e mobilidade do Itaú. “As cidades inteligentes do futuro exigirão a disponibilidade de diversos modais de transporte, e nós queremos contribuir com isso.”
Em outras palavras: os bancos não querem perder o bonde da história. Nesse caso específico, os “bondes” são elétricos. O setor está aquecido. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), as vendas globais de carros elétricos mais do que dobraram em 2020, chegando a 6,6 milhões de unidades. Estima-se que, até 2050, a frota de veículos elétricos leves corresponderá a 30% dos carros em circulação. Hoje, o índice é de 1%. O mundo vai mudar e os bancos querem ser protagonistas da transformação.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2022, edição nº 2777