Antes mesmo de começar, o ano de 2021 prometia ser historicamente positivo para a Bolsa de Valores de São Paulo, a B3. Aproveitando o interesse inédito do brasileiro pela compra de ações, devido aos juros baixos que tornavam os outros investimentos pouco atrativos e estimulavam a tomada de riscos, a expectativa era bater recorde atrás de recorde. E a promessa se cumpriu. O Ibovespa atingiu, neste ano, pela primeira vez a marca de 130 700 pontos. Além disso, o número de empresas que realizaram suas ofertas públicas iniciais (IPOs, na sigla em inglês) de ações só ficou atrás do recorde de 2007: até setembro, foram 31, acima dos 25 de 2020.
Companhias de diversos perfis corriam para a bolsa como forma de se financiarem para poder fazer mais investimentos, aquisições, pagar dívidas durante a pandemia ou simplesmente remunerar os seus donos. O volume levantado nessas aberturas de capital atingiu 36,3 bilhões de reais. Foi cerca 10 bilhões de reais acima do volume das ofertas iniciais realizadas em 2020. Ao que tudo indicava, a festa ainda estava em seu início e estabeleceria marcas mais impressionantes. Mas, de umas semanas para cá, o clima esfriou. E, ironicamente, o ano de 2021 bateu também um recorde negativo, o de empresas que desistiram de realizar suas ofertas iniciais: já são 51 delas, ante as vinte do último ano.
O derradeiro IPO realizado na B3 ocorreu no dia 2 de setembro, feito pelo grupo Vittia, que possui empresas de biotecnologia ligadas ao agronegócio. Nesse momento, muitas candidatas à bolsa já haviam percebido que a situação mudava radicalmente. O termômetro principal era que só haveria interessados para as suas ações se elas fossem vendidas a um valor bastante inferior ao precificado inicialmente. Um levantamento da consultoria Economatica feito para VEJA mostrou que vinte empresas, mais da metade das que abriram capital neste ano, estavam com desempenho negativo nas ações até a segunda-feira 11. Para não correr o risco de ver derreter seus papéis, a rede de academias Bluefit, por exemplo, desistiu de fazer o IPO marcado para setembro. A empresa fixou o preço de seus papéis entre 12,25 e 15,25 reais, porém teve de baixá-los para 9,20 reais após sentir a mudança da temperatura. No fim das contas, desistiu.
Mais recentemente, foi a vez de a Environmental ESG Participações, empresa de gestão de resíduos da Ambipar, seguir o mesmo caminho. Este era um dos processos mais esperados do mercado para o segundo semestre, com capacidade de levantar 3 bilhões de reais. A Ambipar adotou uma estratégia agressiva, chamando a atenção para seus negócios, a ponto de convidar a supermodelo Gisele Bündchen para ser acionista e parte do comitê de sustentabilidade da empresa, mas alegou que não seguiria com o IPO no momento por “condições desfavoráveis dos mercados financeiros de capitais”.
As explicações para tamanha mudança de humor passam por questão nacionais e internacionais. De um lado, a instabilidade política e econômica do país se transformou em fonte de preocupações no mercado financeiro. Ao mesmo tempo, investidores internacionais começaram a ser mais cautelosos quanto a investir em países em desenvolvimento e mais instáveis. “A bolsa brasileira vinha em um momento muito bom e tomou uma ducha de água fria com a inflação e os ruídos de 7 de setembro. Isso tem trazido muita volatilidade, mas ainda temos liquidez no mercado e empresas mostrando resultados fortes”, diz Ricardo Lacerda, CEO do banco de investimentos BR Partners. A expectativa do mercado é que, mesmo diante das incertezas, a má fase nas aberturas de capitais não vai durar para sempre.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760