A crise da BRF, uma das maiores empresas de alimentos do país, agravou-se na semana passada com a revelação do relatório final da Polícia Federal sobre as investigações de supostas fraudes cometidas por empregados em seu processo produtivo. O documento se refere à Operação Trapaça, um desdobramento da Carne Fraca, e aponta a existência de ações para burlar a fiscalização sanitária de agentes federais. Executivos, além do corpo técnico da companhia, são acusados de saber ou mesmo de participar da tentativa de encobrir o caso.
A notícia mostra que uma troca de comando como a que o grupo fez há quatro meses, com a nomeação de Pedro Parente para CEO da empresa, nem sempre é suficiente para reverter a má trajetória. A contratação de Parente, que havia reforçado sua reputação de Midas da gestão ao liderar o time executivo que tirou a Petrobras do fundo do poço, prometia ser um alento para investidores — esperavam que a BRF seguisse o mesmo caminho. O outro lado da profecia era que a saída do presidente da estatal seria prenúncio de novos prejuízos para a petroleira e queda na bolsa. Aconteceu o oposto. A Petrobras manteve um viés de alta e a BRF, sob nova direção, estagnou. E Pedro Parente não tem nada a ver com isso.
Nascida da fusão entre Sadia e Perdigão, em 2009, a BRF atravessa hoje a maior turbulência de sua curta história. Seus resultados financeiros e operacionais estão piorando há três anos. Numa tentativa de arrumar o prumo, foram feitas sucessivas trocas de executivos em postos-chave. O cargo de CFO, o executivo-chefe da área financeira, já teve sete ocupantes em cinco anos. No mesmo período, Parente é o quinto CEO, posto equivalente ao de presidente executivo. Não por acaso, 2013 foi o ano que marcou o ponto de inflexão da companhia. Naquele momento, a gestora de recursos Tarpon e o executivo Abilio Diniz (conhecido pela transformação do Grupo Pão de Açúcar em um gigante do varejo) se aliaram para comandar uma profunda mudança na forma como a BRF era administrada. Não que a empresa estivesse em dificuldade, mas eles avaliavam que havia potencial para que se tornasse mais rentável com um agressivo corte de custos e a tomada mais ágil de decisões. O sonho era transformá-la na Ambev dos alimentos. Inicialmente, os resultados melhoraram, e isso foi reconhecido pelos investidores: o valor de mercado da companhia inflou 30% e chegou a 70 bilhões de reais em 2015. Mas o crescimento não se sustentou. De 2016 para cá, o prejuízo já soma 3,2 bilhões de reais. Na última semana, a BRF valia pouco menos de 17 bilhões de reais, um quarto de seu valor de mercado há três anos. O preço das ações acumula queda de 45% neste ano, e o grupo reportou o maior prejuízo trimestral de sua história entre abril e junho: 1,57 bilhão de reais. Uma análise detalhada mostra que houve forte impacto de despesas relacionadas à Operação Trapaça, à reestruturação da companhia e à valorização do câmbio — o recém-chegado nada tem a ver com a investigação policial nem com a volatilidade do dólar. Pedro Parente entrou para botar ordem na casa, e a estratégia que se impõe na BRF é a contenção dos danos decorrentes da investigação. Apenas no segundo trimestre deste ano, o prejuízo foi de 288 milhões de reais em gastos com advogados, consultorias e relações públicas, devolução de produtos e ociosidade de plantas industriais.
O relatório final da Polícia Federal pede o indiciamento de 43 pessoas, inclusive funcionários e ex-funcionários. Entre elas estão Abilio Diniz, presidente do conselho de administração da BRF de 2013 até abril passado, e Pedro Faria, que foi CEO da empresa de 2015 a 2017. O indiciamento significa que as autoridades concluíram haver elementos mínimos de que os acusados praticaram crimes, mas caberá ao Ministério Público avaliar o relatório para decidir se oferece ou não a denúncia dos acusados à Justiça. O documento afirma que Diniz e Faria, pelos cargos que ocupavam, tinham capacidade de orientar os subordinados a determinar as causas da contaminação de produtos e a regularizar os processos industriais, mas que, em troca de mensagens pelo celular, não agiram dessa forma.
A defesa de Diniz nega qualquer irregularidade e queixa-se de que o relatório da Polícia Federal não traz nenhum elemento que prove a acusação. Os advogados de Faria também alegam a inocência de seu cliente. A BRF, por sua vez, disse que está colaborando com as autoridades — o que pode resultar em um acordo de leniência. Seria uma medida encabeçada por Parente para lidar com fatores externos que aparecem no caminho de um executivo independentemente de seu status ou competência.
A situação do antigo empregador de Parente é outra. Enquanto a BRF apaga o incêndio da Operação Trapaça, a Petrobras deixou para trás os problemas da Lava-Jato e ainda sobreviveu ao furacão da greve dos caminhoneiros. Se o governo cedeu à pressão e congelou o preço do diesel nas refinarias, a medida foi temporária e o combustível voltou a subir junto com a valorização do barril do petróleo e do dólar, fatos sobre os quais o comando da estatal não tem a palavra final — fosse o antigo ou o atual. As duas gestões fizeram sua parte ao negociar e finalmente acertar em setembro um acordo com autoridades americanas para pôr fim ao processo movido por investidores em que a Petrobras era alvo por causa da corrupção, mas nada tiveram a ver com a empolgação dos investidores com o fortalecimento de Jair Bolsonaro na disputa eleitoral em razão de seus planos de privatizar partes da empresa. Tudo somado, as ações se valorizaram 57% desde que Parente foi substituído por Ivan Monteiro como CEO. Nem tudo que é bom vem de um mítico toque de Midas, nem tudo que é ruim é incompetência.
Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2018, edição nº 2605