Em 1984, quando assinou um contrato de patrocínio com um promissor jogador de basquete — que se tornaria mais tarde o lendário Michael Jordan —, a Nike era uma empresa com atuação basicamente regional e que sofria para enfrentar os poderosos rivais Adidas, Converse e Puma. Mas ela possuía uma qualidade inquestionável no mundo dos negócios: a ousadia. A parceria com Jordan, apoiada por uma estética jovial e campanhas publicitárias de impacto, é um marco da história do marketing e acabaria por transformar a fabricante de materiais esportivos numa grife cobiçada por pessoas do mundo inteiro. Agora, uma jornada parecida começa a ganhar forma e, por uma dessas voltas que o mundo dá, desta vez é a Nike que sofre com a impetuosidade de um concorrente.
Fundada em 2010 por entusiastas de corrida de rua, a suíça On Running também se associou a uma lenda do esporte, o ex-tenista suíço Roger Federer, para atrair fãs para a marca. Federer foi patrocinado pela Nike entre 1997 e 2018 e, ao final do contrato, detectou na conterrânea On a possibilidade de se tornar um empresário do esporte. Hoje em dia, detém 3% da empresa. O destino acabaria colocando dois mitos empresariais brasileiros, Jorge Paulo Lemann e Carlos Alberto Sicupira, que fizeram da cervejaria Ambev um colosso global, no caminho da On. Vizinha de Federer na Suíça, a família Lemann foi seduzida pelo projeto — Marc Lemann, filho do bilionário, detém hoje 5,6% das ações da On, enquanto Beto Sicupira possui 6,2%.
A junção de talentos tão diversos resultou em uma empresa que tem feito barulho na indústria de artigos esportivos. A On cresce ao ritmo de 30% ao ano, enquanto a americana Nike enfrenta uma das maiores crises de sua história, com queda nas vendas e pouca capacidade para inovar. A estratégia da desafiante suíça lembra, de fato, a Nike do passado: produtos tecnológicos, marketing agressivo e aposta em jovens talentos. “Federer, claro, é uma figura onipresente em nossa marca”, disse a VEJA Alexandre Martinez, diretor de marketing da On. Mas não se trata apenas disso.
Os tênis da On são fruto de uma inovação. Com apenas sete componentes, eles levam, segundo a companhia, três minutos para serem fabricados por braços robóticos. Os pares também usam um sistema conhecido como CloudTec — são “nuvens”, ou pequenos buracos, responsáveis por amortecer os passos do usuário, proporcionando aterrissagens mais suaves durante a prática de corridas. Em reportagem recente, o jornal americano The New York Times referiu-se à marca como a “Tesla” dos tênis. Em sua época, o tênis Nike Air Jordan também foi considerado inovador, pela alta flexibilidade e pelo design arrojado.
Assim como a Nike de outrora, a On também investe em candidatos ao panteão do esporte. A empresa patrocina o jovem tenista brasileiro João Fonseca, 18 anos, campeão do US Open juvenil do ano passado e apontado pelo próprio Federer como um prodígio. A escolha de Fonseca está em sintonia com as ambições da On para o Brasil. Atualmente, os produtos da marca — tênis, roupas e acessórios — são encontrados em 200 lojas de artigos esportivos no país.
O próximo objetivo é abrir estabelecimentos próprios por aqui, um projeto sem data definida. Com o bom desempenho de vendas, a iniciativa não deverá demorar, segundo Alexandre Martinez. “O maior desafio dessas marcas é atender aqueles que buscam performance, mas sem esquecer que nem todo mundo pratica esporte”, diz Amir Somoggi, consultor especializado em marketing esportivo. “Empresas que vão pelo caminho do lifestyle são mais bem-sucedidas.” A Nike fez isso e se tornou um ícone dessa indústria. Agora, a On caminha a passadas largas para repetir o feito.
Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2024, edição nº 2917