Xande de Pilares: ‘Favela não é só violência’
O pagodeiro comemora sua participação no Rock in Rio e diz que o álbum que gravou com músicas de Caetano Veloso o fez ser reconhecido além do samba
Como embaixador do palco Favela do Rock in Rio, onde se apresentará no próximo dia 19, qual sua opinião sobre esse espaço do festival? Lembro da minha história e do barraco onde morei. Vejo que tudo valeu a pena. Temos de mostrar o lado bom, e o palco é a chance de dizer que favela não é só violência. Lá tem trabalhadores e estudantes que querem realizar seus sonhos. Fico feliz que o palco se chame “favela” e não “comunidade”.
Quando o Rock in Rio surgiu, há quase quarenta anos, havia muitos estrangeiros na escalação. Como sambista, gostou de ver nesta edição um dia dedicado aos brasileiros? É possível prestigiar seu país sem descaracterizar o evento. Vi muitos artistas estrangeiros de que gostava no primeiro Rock in Rio e nunca imaginei que a música brasileira seria homenageada assim, principalmente o samba. Quando o Rock in Rio começou, eu estudava com uma rapaziada em Pilares que curtia rock e fui com eles ao festival.
Durante as gravações do álbum Xande Canta Caetano, lançado recentemente, Caetano Veloso chorou ao ouvir suas versões das músicas dele. O pagode venceu? Foi uma baita responsabilidade mexer nas músicas do Caetano. Eu nunca quis ser cantor, mas hoje eu me sinto um cantor. Consegui manter minha identidade de sambista sem descaracterizar a obra dele. Ele não mexeu em nada que fiz. Eu estava gravando quando o vi pela janela na mesa de som enxugando o nariz. Achei que estivesse resfriado. Quando fui lá, todo mundo estava chorando.
O álbum ampliou seu reconhecimento além das rodas de samba? Um amigo que não curtia samba escutou meu disco e virou fã do Grupo Revelação. Ele me agradeceu por lhe dar a oportunidade e esquecer do preconceito. Você só pode dizer se a fruta é ruim se provar, não é? Ao mesmo tempo, minha sobrinha, que vem do funk e do samba, me disse que eu a ensinei a ouvir Caetano. É uma via de mão dupla.
Antes do Rock in Rio, o senhor vai tocar no Coala Festival, em São Paulo, e meses atrás cantou no Doce Maravilha, no Rio. O que achou da experiência? Festival era um ambiente que eu frequentava como plateia. Estou começando a gostar da brincadeira. O disco com Caetano me deu a chance de evoluir como músico, me aceitar como artista e cuidar da minha voz. No Doce Maravilha, cantei com a Bethânia. Jamais imaginei que pudesse dar um abraço nela, imagine dividir o palco.
Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909