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TV Aparecida mira Mazzaropi em humorístico para o ‘homem do campo’

Com merchan explícito e pouco investimento, emissora da Igreja Católica lança ‘Sou Caipira’ nesta sexta-feira

Por Thais Lazzeri
Atualizado em 13 abr 2018, 09h44 - Publicado em 13 abr 2018, 08h38
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  • Lustres iluminam à meia-luz, em tons amarelados, a sala ao fundo de um corredor com cheiro de tinta da TV Aparecida, a emissora da Igreja Católica que, em outubro do ano passado, o mês de Nossa Senhora de Aparecida, alcançou o sexto lugar em audiência no ranking das TVs abertas e o décimo quinto entre os canais fechados, segundo medição do Kantar Ibope Media. O gabinete destoa dos demais, dedicados à produção dos programas de entretenimento e jornalismo, com luzes frias e econômicas. Cada canto do lugar, que lembra um coworking descolado, com 263 canecas decorando o ambiente, foi pensado pelo publicitário – e padre – William Betonio, de 37 anos, há quatro anos diretor de programação da TV. É lá que ele fala de umas das estreias de abril. Um programa humorístico inspirado em Mazzaropi.

    Enquanto prepara um café forte em uma máquina de cápsulas, o padre desvia das perguntas do programa para falar, primeiro, da história dos redentoristas, os responsáveis pela TV, Rádio e Santuário de mesmo nome no interior de São Paulo, por onde passam 13 milhões de romeiros todos os anos. Além da programação religiosa, a intenção é que a pregação de valores do Evangelho esteja nos outros programas, mais “descolados”, inclusive no Sou Caipira, o primeiro voo solo do cantor, ator e humorista Adriano Prado, de 41 anos.

    Graças ao apoio de uma empresa de colchões “para a família sertaneja”, público-alvo da marca, e um contrato com uma produtora independente, que rachou os custos do programa, a peregrinação de Prado em busca de um programa próprio teve fim, assim como o contrato com carteira assinada – com o novo programa, o trabalho CLT foi substituído por PJ. Doações de mais de 800 000 fiéis, diz Betonio, mantêm 70% da operação da TV. Os outros 30% vêm de patrocínio. “São mãos generosas dos devotos que sustentam as obras de evangelização, acolhimento, acabamento e manutenção de nossa Basílica, além dos meios de comunicação (Rede Aparecida) e diversas obras sociais”, diz texto do site oficial da emissora. Dos valores, ninguém fala.

    O Brasil tem hoje mais de duas dezenas de emissoras religiosas. A programação desses canais é veiculada em outros, tanto da TV aberta quando do mercado pago. Relatório da Ancine (Agência Nacional de Cinema) mostrou que, em 2016, a programação religiosa ocupou 21,2% do tempo total dos principais canais de TV aberta – telejornais estão em segundo lugar, com 15,1%. Foram avaliadas Globo, Record, RedeTV!, Band, CNT, SBT, TV Brasil, TV Cultura e TV Gazeta.  Segundo o levantamento, a porcentagem seria ainda maior se o monitoramento tivesse incluído as emissoras religiosas. Só a TV Aparecida tem crescido em audiência, em média, 30% ao ano.

    Mas há ainda um outro tipo de atração, o dos programas que não se dedicam à evangelização como fazem a Rede Viva, por exemplo, e a TV Aparecida. As emissoras estão investindo nessas outras categorias para elevar a audiência – com programas de entretenimento, especialmente, como de culinária, saúde da família e musicais sertanejos. E, agora, de humor.

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    “Estou quebrando o ditado que diz que santo de casa não faz milagre”, afirma Prado. Explica-se: a TV estreou em 2005; Prado chegou no ano seguinte. De lá para cá, fez o programa musical Terra da Padroeira e participações em outras atrações da casa. Em todas, foi sempre o caipira Tonho, corruptela de Antônio, nome do avô e padrinho de batismo de Prado. Sua personalidade está tão ligada à do personagem que ninguém nos corredores o chama pelo nome verdadeiro – às vezes, na verdade, até esquecem.

    Antes da primeira gravação, Prado apresentou, por três meses, um stand-up nos moldes do Sou Caipira para a equipe da TV avaliar a receptividade do público. A inspiração foi Amácio Mazzaropi, o cineasta brasileiro criado em Taubaté, no interior paulista, como Prado.

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    Há pinceladas curtas de Mazzaropi no primeiro programa – a reportagem pediu acesso aos oito já gravados, mas foi informada de que estavam em edição. Descendentes de imigrantes italianos, Mazzaropi representava sabiamente o caipira de Monteiro Lobato, o Jeca Tatu, explica Martin Cezar Feijó, professor de humanidades e ciência da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado). “A graça de Mazzaropi está no fato de ele parecer ingênuo, mas, no fim, dar um chapéu em todo mundo. Pela inteligência, ele supera os adversários e as dificuldades”, diz. Sem viço, o humor do Sou Caipira está mais para A Praça É Nossa, com “causos” de pescaria e piadas revisitadas. O termo “homem do campo”, repetido pela equipe envolvida no programa para determinar a plateia procurada, diz pouco sobre quem esse público seria.

    Mazzaropi tinha outro mérito: não se furtava a tratar de questões delicadas de seu tempo. Flertava com temas polêmicos, como o divórcio e a compra de árbitros de futebol. A linha editorial da TV Aparecida é outra, e limita o seu conteúdo. Não há possibilidade, segundo o padre Betonio, de o programa humorístico entrar em questões atuais, polêmicas ou que não representem a Igreja. “Não é um humor que explora o lado negativo, é um humor compatível com o nosso público”, diz o padre sobre o “público conservador” da TV que assistirá a Prado a partir desta sexta, às 20h.

    A gravação e a produção, feitas com uma empresa independente para baratear os custos, segundo Betonio, também carece de refinamento. O ponto alto do programa são as apresentações musicais, que abrem e encerram o Sou Caipira. A banda, mais sertaneja que caipira, é de Prado, o Tonho. Por ano, ele diz fazer cerca de 50 shows em cidades pequenas – uma das menores tinha cerca de 1.900 habitantes. A performance, de duas horas, custa até 50 000 reais, com todos os custos incluídos. Por 20 000 reais, Prado também faz apresentações de humor de cerca de 1h30 de duração. Quanto o programa custou e quanto ele receberá, nem ele nem a TV informaram. “Você não tem ideia do que é tocar a vida de alguém e ver a fé das pessoas. Choro em todos os shows”, diz ele, que termina toda apresentação com uma oração e levando uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida ao palco. No programa, ao menos no primeiro, isso não acontece.

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