Trump, o novo vilão do cinema americano, assombra o Festival de Toronto
Filmes como 'Fahrenheit 11/9', 'American Dharma' e 'The Front Runner' examinam o fenômeno Trump e a importância da participação democrática
Os noticiários nos Estados Unidos estão dominados por um único assunto hoje em dia: Donald Trump e suas políticas controversas. Era de se esperar que agora, quase dois anos após sua posse, de alguma maneira, isso se refletisse no cinema. E foi o que aconteceu, como demonstram vários filmes exibidos no Festival de Toronto.
Fahrentheit 11/9, novo documentário de Michael Moore, faz menção a Fahrenheit 11 de Setembro (2004), vencedor da Palma de Ouro em Cannes. Se daquela vez ele tentou impedir a reeleição de George W. Bush, agora tenta mobilizar o povo americano para as eleições em nível local, estadual e federal de meio de mandato, a serem realizadas majoritariamente em 6 de novembro e que tradicionalmente valem como um plebiscito sobre a atuação do presidente.
Para o diretor, é preciso eleger candidatos que defendam políticas como saúde universal e outras medidas para diminuir a desigualdade. Ele também examina as razões da vitória de Trump e prega sobre os perigos que a democracia americana está correndo por causa das tendências autoritárias do atual governo.
Moore, que ganhou o Oscar de documentário em 2003 por Tiros em Columbine, fala do geral, mas também do particular, concentrando-se na crise da sua cidade, Flint, no Estado de Michigan, que, por causa de uma medida do governador, passou a ser abastecida por água contaminada com chumbo. Como é de costume, Moore não poupa ninguém, criticando o Partido Democrata, Hillary e Bill Clinton e o presidente Barack Obama, além de republicanos, claro.
Outro grande nome do documentário americano, Errol Morris também resolveu examinar o fenômeno com American Dharma, sobre Steve Bannon, ex-estrategista da campanha e do governo de Trump, afastado em agosto depois do comício supremacista branco em Charlottesville, que terminou com a morte de uma mulher — Bannon estaria dando consultoria informal ao candidato a presidente do Brasil Jair Bolsonaro, segundo seu filho Eduardo Bolsonaro.
Morris, que ganhou o Oscar na categoria por Sob a Névoa da Guerra, uma grande entrevista com Robert McNamara, secretário de Defesa nos governos John F. Kennedy e Lyndon Johnson, utiliza o mesmo método aqui, deixando Bannon expor suas ideias, mas confrontando-o quando elas não fazem sentido. Bannon, por exemplo, se diz contra a corrupção, mas, quando Morris diz que Trump está envolvido em corrupção, ele defende afirmando que é por causa de sua atuação no ramo imobiliário, que é assim mesmo. Bannon, que foi afastado também do site de ultradireita que ajudou a fundar, o Breitbart News, acredita numa revolução populista que vai transformar o sistema, mas está aliado aos bilionários que são o oposto do homem comum que vive enaltecendo.
Em Monrovia, Indiana, Frederick Wiseman, outro documentarista americano de prestígio, foi ao território de Trump para investigar como vivem e pensam seus eleitores – o condado onde fica a cidade de pouco mais de mil habitantes votou 75,9% para o atual presidente dos Estados Unidos. Como em seus filmes anteriores, incluindo In Jackson Heights e National Gallery, Wiseman limita-se a observar, sem grandes julgamentos, o que se passa ali naquele lugar. No caso de Monrovia, são reuniões municipais, igreja, leilões de maquinário de lavoura, uma cerimônia da loja maçônica local. Ao apenas olhar, Wiseman acaba revelando a pouca presença de jovens, que partem dali para buscar outras oportunidades, e de minorias em geral – a cidade é essencialmente branca. O feminismo não chegou por ali, como mostra um casamento em que o homem ganha o papel de protetor, e a mulher, de ser bonita. Uma boa parte da população não quer que a cidade cresça, como fica claro nas reuniões do conselho municipal, o que denuncia uma aversão a qualquer mudança.
É natural que os documentários sejam os primeiros a refletir nosso tempo, por seu processo de produção em geral menos complicado. Mas a ficção também está começando a dar conta do fenômeno. The Front Runner, de Jason Reitman, por exemplo, fala de uma campanha política do passado, mas que tem muitos ecos no presente: a de Gary Hart, que era o favorito para ser candidato democrata à presidência na eleição de 1988 e que acabou se retirando da disputa quando se armou um circo em torno de um caso extraconjugal.
No filme, Hart é interpretado por Hugh Jackman como um homem carismático, cheio de ideias interessantes e que constantemente resiste às tentativas de exploração de sua vida pessoal para a campanha política. Para ele, isso faria com que as melhores pessoas decidissem não concorrer a cargos públicos.
O filme evita respostas prontas e deixa para o espectador decidir o que pensar, com cenas em que várias coisas acontecem simultaneamente. “Este é um filme que pergunta ao público o tempo todo: o que é importante e o que é relevante?”, disse Reitman na apresentação na sessão de gala, no Ryerson Theatre. É um questionamento que todo eleitor, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, deve fazer o tempo todo antes de escolher seus candidatos.
Spike Lee contra o presidente – Outro filme que alfineta Trump sem dó que promete ser comentado até a temporada do Oscar é Infiltrado na Klan, de Spike Lee. Apresentado no Festival de Cannes, em maio, o longa conta a história de um policial negro que se infiltra na milícia racista Ku Klux Klan.
Na trama, o presidente americano é alvo constante de alfinetadas do diretor. Frases famosas proferidas por ele como a “America first” (América em primeiro lugar) e “Make America Great Again” (Fazer com que a América seja grande novamente) aparecem em muitas falas dos membros do KKK. As diretas nada sutis não foram suficientes para Lee. No fim, o filme exibe cenas reais do conflito entre negros e simpatizantes neonazistas e do Klan em Charlottesville. As imagens se mesclam com outras de Trump, que não toma partido, mas coloca panos quentes, dizendo que os dois lados eram violentos. O longa está previsto para estrear em novembro no Brasil.