O policial Ron Stallworth tem uma história bem absurda para contar — tanto que ele escreveu um livro sobre o acontecimento, chamado Black Klansman. Primeiro negro a conquistar um distintivo de detetive no Colorado, Estados Unidos, em 1978, ele decidiu se infiltrar na milícia racista Ku Klux Klan. Ainda cru na profissão, fez contato por telefone com o grupo até ser convocado para a primeira reunião. Um colega branco vai em seu lugar. Assim, os dois compartilham a missão, conquistando não só a carteirinha de membro da Klan, como também um cargo de liderança.
Nenhum roteiro fictício sobre os eventos que acontecem seria crível o suficiente se não corresse tudo próximo aos fatos. E nenhum diretor seria mais adequado para adaptar a trama além de Spike Lee, que apresentou o filme, batizado de BlacKkKlansman, no Festival de Cannes na noite de segunda-feira.
Numa mistura de comédia e thriller policial, o cineasta, que compete pela terceira vez pela Palma de Ouro, espinafra os supremacistas brancos, denuncia o racismo estrutural e faz questão de colocar uma dose de fé na polícia. Os “porcos”, como os oficiais são chamados em muitos momentos, ajudam mais do que atrapalham o rapaz em sua missão. E também percebem que algumas atitudes do dia a dia de um grupo totalmente formado por brancos, até então, precisam mudar.
O quase estreante John David Washington e o já popular Adam Driver adicionam uma boa dose de química à dupla de protagonistas. Enquanto Topher Grace (da série That’ 70s Show) faz rir sem muito esforço ao dar vida a David Duke, líder do Klan que mais tarde na história fora do cinema se torna deputado. Nos últimos anos, o republicano voltou aos holofotes por apoiar Donald Trump.
O presidente americano é alvo constante de alfinetadas do diretor ao longo do roteiro. Frases famosas proferidas por ele como a “America first” (América em primeiro lugar) e “Make America Great Again” (Fazer com que a América seja grande novamente) aparecem em muitas falas dos membros do KKK. As diretas nada sutis não foram suficientes para Lee. No fim, o filme exibe cenas reais do conflito entre negros e simpatizantes neonazistas e do Klan em Charlottesville, em 2017, que deixou dezenas de feridos e uma pessoa morta. As imagens se mesclam com outras de Trump, que não toma partido, mas coloca panos quentes, dizendo que os dois lados eram violentos.
O excesso de referências ao presidente enfraquece o longa, mas não afeta o seu todo. A produção arrebatou risos e palmas em diversos episódios que faziam a ponte entre cinema e realidade ao longo da sessão no festival.