Silvio de Abreu: ‘As pessoas estão cansadas do mar de lama’
Diretor de dramaturgia da Globo fala sobre a influência da crise sobre o humor do público e repele comparações entre os folhetins e as séries americanas
Quando já tinha mais de 70 anos, o paulistano Silvio de Abreu encarou um desafio inédito na carreira. Criador de sucessos como A Próxima Vítima (1995), ele se tornou o primeiro autor de novelas a chefiar a área da Globo devotada ao gênero. Ao virar diretor-geral dos folhetins da emissora, em 2014, sua missão era dura: o cansaço no formato de entretenimento mais popular no país era tão patente que se falava até em risco de extinção. Mas Silvio, hoje aos 74 anos, pôs ordem na casa: revelou dezessete novos autores e agora vê a audiência das cinco faixas de novelas da Globo atingir seu ápice em muito tempo — 66 milhões de pessoas as sintonizam diariamente. Em entrevista a VEJA, ele fala a respeito dos reflexos da crise no país sobre o humor do espectador, lamenta a desinformação do brasileiro sobre sua história – o que exigiu ajustes nas tramas históricas do canal carioca – e repele comparações entre as novelas e as séries americanas.
Na época do mensalão, o senhor lamentava o fato de a má influência dos políticos estar afetando a percepção moral dos espectadores, que passaram a torcer pelos personagens de mau caráter. O público continua tão tolerante? Nos tempos de Lula e companhia, ninguém achava graça nos personagens que se pautavam pela ética. O espectador via o mundo assim: se você faz qualquer coisa para se dar bem na vida e conseguir vencer, que problema há nisso? A novela é mesmo um espelho da sociedade, mas a verdade é que ela não muda a cabeça do público. As pessoas não se tornaram tolerantes com os malfeitos em decorrência do que a novela mostrava, e sim por influência dos exemplos vindos de cima. Essa era a mensagem que o governo estava passando, ao varrer os escândalos para debaixo do tapete. Hoje, o humor do público mudou. As pessoas estão cansadas do mar de lama. Até algum tempo atrás, nossas pesquisas com os espectadores detectavam um mau humor geral: ninguém queria ver tramas pesadas e com muitos personagens negativos, como Babilônia e A Regra do Jogo. Todo mundo ficou com ojeriza ao noticiário e, sobretudo, à vilania nas novelas. “Não quero ver na novela uma continuação do telejornal”, ralhavam. A própria sociedade entendeu que o vale-tudo não é o caminho.
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