Depois de conquistar o primeiro lugar nas paradas dos Estados Unidos com o álbum Cheap Thrills (1968), Janis Joplin dificilmente passaria despercebida em qualquer lugar do mundo. Mas, em 1970, a cantora precisava se desintoxicar da heroína e tinha de ir para algum lugar distante e supostamente discreto. Deslumbrada com o Carnaval carioca desde os 16 anos, quando assistiu ao filme Orfeu Negro (1959), ela decidiu que o Brasil seria a escolha ideal. Janis chegou ao Rio numa sexta-feira, às vésperas da folia, e hospedou-se no Copacabana Palace. Tudo corria bem, e ninguém a havia reconhecido até que a endiabrada musa decidiu nadar pelada e fazer topless na praia. A notícia, é claro, se espalhou. A cantora, primeira estrela feminina do rock a visitar o Brasil, precisou improvisar uma entrevista coletiva na piscina do hotel, em um dos eventos mais folclóricos da história do rock no país.
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Essa história saborosa é relatada em Janis Joplin: Sua Vida, Sua Música, biografia que sai no país pouco antes de se completarem cinquenta anos da morte da cantora, em 4 de outubro. Para compor a obra, a biógrafa Holly George-Warren teve acesso inédito a centenas de cartas enviadas e recebidas por Janis, além de seus diários particulares. Para a autora, Janis encarnou como ninguém a sina roqueira do “live fast, die young” (viva rápido, morra jovem): ela morreu com apenas 27 anos, por overdose de heroína, após passar como um meteoro pela contracultura dos anos 60. Além de resgatar a devida dimensão de seu talento, o livro mostra uma Janis menos conhecida, que enfrentou o machismo e expôs sua sexualidade sem medo de julgamentos, numa mistura de melancolia com rebeldia até hoje inconfundíveis.
Janis cresceu admirando cantoras negras como Odetta Holmes e Bessie Smith, mas não era fácil encontrar os discos delas em Port Arthur, a conservadora cidade do Texas onde nasceu. Com 18 anos, depois de ler autores da Geração Beat como Allen Ginsberg e Jack Kerouac, que falavam das liberdades encontradas em São Francisco, ela enfrentou a família e mudou-se para a cidade californiana — na época, berço do crescente movimento hippie. As coisas não deram muito certo: Janis envolveu-se com drogas e voltou para o Texas. Mas, em 1966, aos 23 anos, ela tentou de novo. Dessa vez, já conhecendo a cena musical da cidade, formou uma banda. No ano seguinte, lançou seu primeiro álbum com os Big Brothers & The Holding Company.
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O batismo de fogo ocorreu mesmo em 1967, quando Janis foi uma das poucas mulheres a se apresentar no Festival de Monterey. No livro, a biógrafa relata que um dos produtores do evento antológico indagou a um empresário: “De onde ela saiu, com esse visual e liderando uma banda só de homens?”. A impressionante apresentação teve apenas cinco músicas, mas foi suficiente para mudar a vida da artista e a história do rock. Para além da óbvia influência que a voz rasgada de Janis exerceu sobre as roqueiras que surgiriam depois, a biógrafa diz enxergar seu DNA em cantores como Robert Plant, do Led Zeppelin, Steven Tyler, do Aerosmith, David Johansen, do New York Dolls, e Axl Rose, do Guns N’Roses. “O jeito de cantar de Robert Plant é muito semelhante ao de Janis”, considera. Em 1969, quando subiu ao palco do histórico Festival de Woodstock com sua nova banda, Kozmic Blues Band, Janis já era um fenômeno popular e cantou por quase sessenta minutos. Do festival, a biógrafa relata picantes detalhes dos bastidores, quando Janis faz sexo oral no cantor country Joe McDonald em um quarto de hotel e também da apalpada nos seios de Peggy Caserta, empresária que era dona de uma loja de roupas em São Francisco, com quem Janis manteve um affair homoerótico.
A curta e intensa vida de Janis teve fim há quase cinco décadas, e foi acompanhada de uma tétrica sequência de perdas no rock. Em menos de um ano, outros dois astros, Jimi Hendrix e Jim Morrison, também morreram aos 27 anos, levantando teorias conspiratórias de que os três teriam sido assassinados. Ao fazer um relato minucioso das circunstâncias da morte de Janis, a biógrafa garante que foi mesmo uma fatalidade: a cantora sofreu uma overdose acidental porque injetou heroína muito pura. Como estava “limpa” da droga havia quase cinco meses, teve um colapso fulminante. “Aparentemente, oito pessoas morreram de overdose em Los Angeles naquela época por isso”, informa.
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Sete meses antes do trágico epitáfio, ironicamente, Janis esteve no Brasil mais feliz e solar que nunca. Embora esse detalhe não esteja no livro, ela chegou a cantar no Rio de Janeiro. A apresentação foi inclusive testemunhada por Alcione, Tony Tornado e o roqueiro Serguei. Alcione relembra: “Eu estava com o Serguei e encontramos com a Janis caminhando no calçadão da praia. Nós a pegamos e levamos para uma boate, onde deu uma canja improvisada. Fiquei impressionadíssima com sua voz”. Depois do Rio, Janis seguiu para a Bahia, na garupa da moto do americano David Niehaus, que ela conheceu nas areias de Copacabana e se tornaria seu namorado. “Dormimos em uma praia em Cabo Frio, ao norte do Rio, para onde viajamos de moto durante a noite”, relatou Niehaus à biógrafa. “Éramos como dois bons e velhos beatniks na estrada”, escreveu Janis sobre a aventura. Na Bahia, a paixão pelo artesanato foi tão forte que ela tatuou no pulso esquerdo o desenho de um bracelete comprado em Salvador. Mas Janis levou muito mais que bijuterias do Brasil. “Estou convencida de que o jeito dela de dançar veio do Brasil”, garante a autora. Além de rock’n’roll, quem diria, Janis tinha samba na veia.
Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704
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