Era uma terça-feira quando fui chamado para uma reunião na Globo, em 2019. Na época, eu apresentava o programa Bem Estar. Fui comunicado a seco: ‘Você não faz mais parte dos planos da casa’. Ser demitido em três minutos depois de trinta anos no canal foi um choque. A sensação era como se eu estivesse caindo no fosso do elevador, e o chão não chegava nunca. Enquanto caía, pensava: qual é meu plano B? Mas eu não tinha um.
Tenho muita consideração pela Globo e pela trajetória que tive lá. Foi onde aprendi a exercer o jornalismo. Admissões e demissões são parte do jogo. Mas assumo que não esperava a minha. Sabia que mudanças estavam chegando. Havia sinais, e eu não os percebia. Era prepotente, achava que nunca seria comigo. Logo se espalhou a história de que eu tinha sido demitido por causa de uma piada infeliz que fiz ao vivo, durante uma participação do médico Roberto Kalil Filho. Era uma bobagem sobre a despedida do ovo e da clara, sendo que a última diz para o primeiro: “Não fica triste, a gente se vê dentro do bolo”. Quem procurar isso no Google com meu nome vai encontrar mais de 1 milhão de referências sobre esse dia. Virei meme. Temos o hábito de compartilhar essas piadas nas redes — só que, quando eu me tornei a piada, não foi tão engraçado.
Sou mineiro, gosto de contar histórias, de rir, mas não sou o tio do pavê. Tinha lido essa piada na internet e achei que seria uma boa contá-la no ar, mas não foi. O doutor Kalil, que é meu amigo, havia tido uma noite difícil no hospital — e também não é uma pessoa muito bem-humorada. Então, ele não reagiu bem à brincadeira. Mais tarde, nós dois rimos desse episódio juntos. E hoje sei que não foi isso que causou minha demissão. O programa acabou: não tinha mais musculatura para seguir. E eu estava no pacote.
Essa ruptura fez com que eu me reinventasse. Passei por um longo processo de autoconhecimento para descobrir quais talentos eu tinha e como poderia usá-los. Recentemente vimos muitas notícias de pessoas demitidas da Globo, e digo a elas o que eu ouvia lá dentro: “Há vida inteligente fora da Rede Globo”. Descobri na prática que essa frase é a mais pura verdade. Existe, sim, vida após a Globo. Percebi que meu talento é contar histórias. E posso continuar fazendo isso fora da emissora. Logo surgiram oportunidades para dar palestras, escrever livros e produzir podcasts.
Quando estava com a agenda a todo o vapor, outro golpe: a pandemia. Tenho dito que, em 2019, quando fui demitido, eu parecia um cachorro perdido, que caiu de um grande caminhão de mudança. Em 2020, o mundo também caiu desse caminhão. Este ano forçou todo mundo a encarar um processo de reinvenção. Eu tinha muitos planos e negociações em andamento, mas sou obediente aos médicos, então cumpri bem minha quarentena, fiquei em casa. O plano, então, era só organizar meus livros e ler alguns clássicos. No fim, não fiz isso — consegui, porém, terminar meu segundo livro, Como Ser Leve em um Mundo Pesado (Rocco). Nele, eu abri o jogo sobre esse sentimento de como é ser dispensado de uma grande corporação. Quem passa por isso acha que perdeu tudo: amigos, referências, autoestima. Mas, na verdade, você só perdeu o emprego. Sua essência está intacta. Nesse processo, entendi mais sobre resiliência e sobre ter bom humor para rir de si mesmo. O que também me ajudou foi olhar mais para o outro, ouvir histórias de pessoas inspiradoras, as quais estão neste livro.
Acredito numa frase que diz que as ideias estão no chão e, para encontrar a solução, muitas vezes você precisa tropeçar e cair. É lá, no chão, que vamos enxergar novos caminhos. É uma dica de sobrevivência que foi útil para mim, e espero que possa ajudar outras pessoas.
Fernando Rocha em depoimento dado a Raquel Carneiro
Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712