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‘Queria celebrar a beleza dos refugiados’, diz Karim Aïnouz

Diretor brasileiro mostra em Berlim ‘Aeroporto Central’, sobre o abrigo temporário montado numa antiga instalação nazista

Por Mariane Morisawa, de Berlim
23 fev 2018, 17h27

Há oito anos em Berlim, o cineasta brasileiro Karim Aïnouz mora perto do aeroporto de Tempelhof, usado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial e como parque desde 2010, após seu fechamento em 2008. Em setembro de 2015, o lugar começou a receber refugiados do Oriente Médio e da África que chegavam aos milhares à Europa. Tornou-se um abrigo temporário. Aïnouz sentiu a urgência de registrar esse momento. Assim nasceu o documentário Aeroporto Central (ou Zentralflughafen THF no original), exibido na mostra Panorama do 68º Festival de Berlim. O filme foca em dois personagens: o sírio Ibrahim Al Hussein e o iraquiano Qutaiba Nafea. Apesar de ser testemunha das vidas interrompidas pela guerra, Aïnuz disse ter ficado esperançoso. “Para continuar vivendo, tem de ser solidário com o outro, senão mata o outro”, disse em entrevista ao site de VEJA. “E teve muita solidariedade entre eles e também entre eles e o país que os recebeu. Isso é inspirador”.

O filme surgiu de uma necessidade sua de documentar o que estava acontecendo no aeroporto. Mas, mesmo morando em Berlim, é uma escolha interessante. Por que acha que sentiu essa necessidade? Foram algumas coisas. Nunca vivi aquilo na pele exatamente, mas é um lugar que eu conheço. Meu pai fugiu de uma guerra (na Argélia) para salvar a própria pele. Eu moro fora há muitos anos, então tem essa fricção de não ser de um lugar. Meu próprio nome, quando eu morava na França, foi uma questão que me marcou muito, a ponto de cogitar trocá-lo. Porque dá muito problema. Mais que tudo, fiquei comovido porque o mundo está em guerra desde 2003, vai fazer 15 anos, e de uma hora para outra fica uma situação insustentável na Síria. Fiquei muito incomodado como isso estava sendo representado, só mostrando gente pulando em trens, como se estivesse invadindo o mundo. Essas pessoas estão desesperadas. Da primeira vez que fui lá, era inverno, naquele aeroporto imenso, havia umas tendas, porque ninguém sabia direito o que fazer. E era do lado da minha casa, no meio de Berlim. Então a história se impôs para mim.

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Como enxerga a relação do passado do país com este novo momento histórico? É muito simbólico que um aeroporto nazista seja agora um abrigo temporário de refugiados. Tinha duas placas que contavam a história de dois momentos em que aquilo foi um campo. Primeiro foi um campo de trabalho para os judeus. Depois do Muro, tinha os refugiados da Alemanha Oriental. Mas tive muita dificuldade de encontrar registros históricos. Então pensei: vou lá filmar porque pelo menos os filhos dessas pessoas vão saber como seus pais chegaram aqui. Era um aeroporto militar que só não foi bombardeado porque precisavam trazer comida para Berlim. E era em outra escala, de um outro projeto de país. Esse é um tema recorrente, uma das razões pelas quais sou apaixonado por essa cidade: sua capacidade de se reinventar. De antropofagizar a própria história, que teve alguns dos momentos mais trágicos do século XX. É o oposto do Brasil, onde tudo tem de destruir para depois fazer de novo. Então tinha interesse em falar como um aeroporto militar, construído para a guerra, virou um lugar de abrigo de pessoas fugindo da guerra. Tinha ali algo muito importante para nos inspirar a fazer coisas melhores. Tem um plano no filme que é muito importante que é uma árvore nascendo no meio da pista de pouso.

No filme, os personagens são homens, e as mulheres quase não aparecem. No debate após uma das sessões, você disse que percebeu logo que seria problemático conversar com as mulheres, sendo um diretor do sexo masculino. Mas também havia alguma razão para focar nos homens? Sim, existe essa imagem do jovem árabe, portanto terrorista, portanto homem-bomba. Quando se vê um jovem árabe hoje em dia, as pessoas quase veem uma bombinha em contagem regressiva. Queria celebrar a beleza e a potência dessas pessoas. Era importante criar um ruído em relação a essa condenação prévia.

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