Eu perguntei umas vinte vezes aos médicos: “Estou curada, mesmo?”. Era algo surreal para mim: poderia voltar a beijar minha neta e abraçar meus familiares. Essa doença, a Covid-19, é muito maluca. As pessoas que ficam em isolamento domiciliar enfrentam uma situação bem difícil, porque elas não estão com problemas suficientemente graves para ir ao hospital, mas têm sintomas desagradáveis o suficiente para se desesperar em casa sozinhas. Foi uma vitória passar por isso.
Tudo começou quando fui me apresentar em um casamento na Bahia, em 7 de março*. Apesar de ter amigos entre os convidados, eu estava lá para trabalhar.Entrei no evento pelos fundos, cantei e fui embora. Tinha uma agenda de trabalhos em São Paulo — para onde parti logo em seguida. Não fiquei preocupada, pois não circulei pela festa. Não tive contato com ninguém, a não ser com a família da noiva. Pensava que a doença era uma coisa bem distante de mim. Mas, quatro dias depois, os sintomas apareceram. Acordei muito mal. Uma dor no corpo insuportável e uma dor de cabeça que não me deixava abrir os olhos. Fui para o hospital. Ao chegar à recepção do Sírio-Libanês, vi muita gente que tinha estado no casamento. Quando fazia o exame, veio a confirmação de que a Pugliesi havia testado positivo para o coronavírus. Ali caiu a minha ficha: eu tinha certeza de que estava com o vírus.
Meu médico, David Uip (coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo, também diagnosticado com o coronavírus dias depois), não esperou o resultado: mandou que eu e meu marido voltássemos para o apart hotel em que estávamos hospedados e nos pediu que não saíssemos de lá. No dia seguinte, veio o resultado: positivo. Fiquei com muito medo. As dores de cabeça e os calafrios continuaram. Meu paladar e olfato sumiram. Tive uma dor forte no ouvido e uma moleza bem grande. Quase desmaiei arrumando a cama do quarto durante o isolamento. Meu marido queria me levar para o hospital, mas eu não queria ir. Coloquei na cabeça que, se eu fosse para o Sírio, poderia ficar lá entubada e não sair mais. Eu tive dúvidas se sairia dessa. A gente se sente muito frágil. A vida é um sopro. Procurei ocupar a mente com pensamentos positivos. Tentei pensar na minha família. Tive sorte de ter meu marido comigo — apesar de respeitarmos a distância de 2 metros: dormíamos em camas separadas, eu tinha meus talheres, lavava e esterilizava tudo. Foi tudo feito para ele não pegar o vírus (felizmente, deu certo!).
Neste momento, o que importa é praticar a empatia com o próximo. É um isolamento social, não afetivo. Não isole emocionalmente seus entes queridos, amigos, vizinhos. Tome as medidas de precaução, mas não os isole de atenção. Deixe um bilhete na porta, ligue, pergunte se está tudo bem. Acima de tudo, não aja com preconceito contra quem está infectado. Os moradores do apart hotel não me queriam lá nos primeiros dias. Cheguei a receber uma ligação da gerência me perguntando até que dia eu pretendia ficar, pois os hóspedes estavam incomodados. Meu médico precisou telefonar para o hotel e ensinar como deveriam lidar com um infectado. Aos poucos a relação foi melhorando. Os vizinhos começaram a me ligar, mandavam bilhetes, flores, comida. Ser amoroso não vai contaminar você. Eu tive sequelas: meus brônquios ainda estão inflamados, não tenho olfato nem paladar e a dor no ouvido persiste. Faço fisioterapia respiratória todos os dias. Mas sou uma nova pessoa. A maneira como encaro a vida, meu tempo de respiração, tudo mudou. Esse vírus mostrou que a gente tem de reavaliar nossos valores, nossas prioridades. Deus me deu uma segunda chance. Quero aproveitar de forma mais responsável minha existência.
* Ela se refere ao casamento de Marcelo Bezerra de Menezes e Marcella Minelli, irmã da influenciadora Gabriela Pugliesi.
Depoimento dado a Eduardo F. Filho
Publicado em VEJA de 8 de abril de 2020, edição nº 2681